Treino de força em jovens atletas
É um assunto controverso, em que por vezes os jovens* são desencorajados a usar cargas como pesos livres ou máquinas de musculação com a crença que esta prática poderá provocar lesões ou até mesmo parar o crescimento.
No entanto, apesar de existir algumas crenças erradas relacionadas com a efetividade e segurança do treino de força em jovens, seja este realizado com máquinas, halteres ou peso do corpo, estudos recentes demonstram evidência convincente que o treino de força providencia melhorias em parâmetros de saúde (melhoria da composição corporal, bem-estar psicológico, entre outros) e performance (ganhos de força e potência muscular) (Lesinski et al., 2020) desde que seja prescrito e supervisionado de forma apropriada.
Em relação à crença de que pode prejudicar o desenvolvimento do jovem, não existe evidência que o treino de força vai influenciar negativamente o desenvolvimento da altura nas crianças e/ ou adolescentes e à semelhança do que acontece nos adultos, o treino de força aumenta a densidade óssea.
A evidência científica indica um risco de lesão relativamente baixo em crianças ou adolescentes que seguem treino de força apropriado, mais uma vez, desde que este seja supervisionado por um profissional qualificado. Entende-se por profissional qualificado no treino de força alguém que tenha conhecimento nas áreas de Anatomia e Fisiologia, articular, muscular e neural.
A título de exemplo, no estudo de Faigenbaum et al. (2010) refere-se que a incidência de lesão, no treino de força, em jovens ou é muito pequena ou nula, sendo esta prática bem tolerada por eles. Para além disso, foi reportado que o rácio geral de lesão por 100 participantes por hora foi de 0,8000 no rugby e 0,0035 no treino de força.
Verificou-se assim que, quando se avalia o rácio de lesão, o treino de força é bastante mais seguro do que muitos outros desportos. É importante perceber que muitas das forças a que os jovens estão expostos nos desportos e/ou atividades recreativas são provavelmente semelhantes ou maiores tanto em duração como em magnitude do que as forças presentes no treino de força bem orientado.
Quando ocorrem lesões no treino de força, estas são resultado de acidentes e/ ou técnica de exercício incorreta. No fundo, é o resultado do treino ser realizado sem supervisão ou com supervisão não adequada. Será também importante que os jovens tenham a responsabilidade de aceitar e seguir as instruções do técnico de exercício.
“É um potente coadjuvante num processo de treino de qualquer modalidade, pois tem o objetivo de garantir que os tecidos musculares possam ter condições para tolerar a prática técnica e especifica da mesma, com o mínimo prejuízo da integridade articular e muscular e com máxima otimização dos processos bioquímicos e hormonais inerentes à criação de tensão muscular.” (Nuno Pinho, Exs).
Este tipo de treino também poderá ser um ótimo promotor de mobilidade. Em que vários estudos indicam que só com treino de força existe ganhos de amplitude de movimento nos indivíduos (Afonso et al., 2021). Tirando assim as crenças que possam existir relacionadas com um possível encurtamento muscular após treino de força e consequentemente redução da lesão…
Será pertinente relembrar aos jovens atletas que para que as adaptações fisiológicas do treino sejam otimizadas é necessário manter fatores de estilo de vida como uma nutrição e hidratação adequada bem como um sono adequado. O contexto ideal será mesmo trabalhar em sinergia com outros profissionais da área da saúde.
Seja em jovens ou adultos, o corpo humano é um organismo altamente não linear e dinâmico e, por isso, existe uma grande variabilidade inter e intra individual. desta forma, quando nos referimos ao treino de força poderemos ter de nos afastar de valores normativos ou médios e aproximar aos elementos específicos relativos. Assim sendo, o treino para jovens terá de ter em conta a especificidade de cada indivíduo e para que isso aconteça será necessário perceber a relação da física, do organismo e do objetivo desejado.
Dada a importância da supervisão e da individualidade existe aqui uma grande carência e/ou oportunidade para realizar um tipo de treino inteligente, onde é necessário perceber que o corpo humano é um sistema altamente inter/intra-individual, em que cada caso é um caso a avaliar, respeitar e elaborar o modo de exercício (Rui Fortuna, EXS online, Nível 1).
Numa primeira fase será importante que haja uma aprendizagem da tarefa a ser realizada e controlo da mesma para que os processos de propriocepção (receção da informação, processamento da mesma a nível cortical e passagem da informação para órgãos efetores) e mapeamento cortical sejam otimizados. Após esta fase é importante também realizar exercícios que tenham um perfil de resistência congruente com o perfil de força (poderá haver exceções), para que haja uma possível intensificação do exercício com controlo e, consequentemente, haja otimização da contração muscular, que por sua vez irá promover maiores adaptações fisiológicas periféricas e sistémicas.
O treino de força será então um coadjuvante importante na performance e na redução do risco de lesões não só num período não competitivo, mas também num período competitivo. Tendo em conta que no período competitivo poderá existir um grande volume de treinos e jogos nos jovens atletas e, por isso, será importante monitorizar e trabalhar em sinergia com outros profissionais da saúde e do exercício.
Treino de força em contexto de lesão nos jovens atletas?
É recorrente, após lesão, os atletas pararem de treinar para “recuperar” da lesão. Sendo que este tempo de paragem irá depender da severidade da mesma, podendo demorar dias, semanas ou meses. É necessário entender que em contextos de paragens mais longas pode ocorrer um processo de atrofia dos tecidos e que esta poderá tornar mais difícil o retorno à competição ou até poderá aumentar o risco de lesão no retorno.
Então o treino de força terá também aqui um papel fundamental para manter ou melhorar a tolerância dos tecidos, bem como até auxiliar na recuperação do atleta.
Lesão não significa parar de treinar!
Relembro o leitor que um dos princípios do treino é primeiro não prejudicar, havendo várias formas de realizar esta prática sem que esta aumente o dano no tecido lesionado. Desta forma, a escolha do estímulo a aplicar estará, obviamente, dependente da lesão do atleta, de uma constante avaliação, do indivíduo (da sua idiossincrasia) e do objetivo.
Uma das opções será treinar na periferia. Não faz sentido nenhum um atleta ter uma entorse no tornozelo e parar de treinar semanas quando existem múltiplas possibilidades para estimular sem que haja dano no local lesionado. Podendo assim, o atleta treinar ombro, coluna, cotovelo e até mesmo a nível de membros inferiores como na anca e joelho mediante constante avaliação e sem que o mesmo apresente dor.
Outra opção será treinar o membro contrário, sabendo que existirá um efeito de cross education. Na meta-análise de Manca et al., (2018) verificou-se ganhos de força muscular em 21,1% nos músculos contralaterais (não treinados), confirmando assim a efetividade deste efeito. Pegando no mesmo exemplo, um atleta com uma entorse no pé esquerdo poderá perfeitamente treinar no membro inferior direito até mesmo a nível do tornozelo sabendo que poderá haver adaptações na musculatura envolvente do pé esquerdo.
Dependendo do tipo de lesão e da severidade da mesma, existe também a possibilidade de treinar o músculo antagonista ao músculo lesionado. Sabe-se que existe um efeito de co-contração em que quando a musculatura agonista contrai, a antagonista também contrai, mas de forma menos intensa. Desta forma, poderá ser possível estimular o tecido lesionado sem dor.
Por fim, poderá ainda ser possível treinar em amplitudes de movimento parciais no segmento lesionado, com contrações isométricas e dinâmicas.
Por exemplo, se um atleta sentir dor numa posição de maior encurtamento nos extensores do joelho, a realizar uma leg extension, poderá ser realizado isométricos ou contrações dinâmicas numa posição de maior alongamento, desde que o atleta não sinta dor.
Pontos chave do treino de força:
- Diminuição do risco de lesão;
- Aumento da performance;
- Melhoria de parâmetros de saúde;
- Pode melhorar a mobilidade;
- É possível treinar em contexto de lesão.
Ou seja, o treino de força acompanhado pode ser uma componente positiva no estilo de vida de jovens sejam eles atletas ou não.
“O melhor investimento de sempre que podem fazer é no vosso próprio corpo!” (Jonathan Goodman)
*No presente artigo, quando me refiro a jovens, refiro-me a crianças e/ou adolescentes.
Bibliografia
Faigenbaum, A. D., & Myer, G. D. (2010). Resistance training among young athletes: safety, efficacy and injury prevention effects. British journal of sports medicine, 44(1), 56–63.
Lesinski, M., Herz, M., Schmelcher, A., & Granacher, U. (2020). Effects of resistance training on physical fitness in healthy children and adolescents: an umbrella review. Sports Medicine, 50, 1901–1928.
McQuilliam, S. J., Clark, D. R., Erskine, R. M., & Brownlee, T. E. (2020). Free-weight resistance training in youth athletes: a narrative review. Sports Medicine, 50(9), 1567–1580.
Afonso, J., Ramirez-Campillo, R., Moscão, J., Rocha, T., Zacca, R., Martins, A., Milheiro, A. A., Ferreira, J., Sarmento, H., & Clemente, F. M. (2021). Strength Training versus Stretching for Improving Range of Motion: A Systematic Review and Meta-Analysis. Healthcare (Basel, Switzerland), 9(4), 427.
Manca, A., Hortobágyi, T., Rothwell, J., & Deriu, F. (2018). Neurophysiological adaptations in the untrained side in conjunction with cross-education of muscle strength: a systematic review and meta-analysis. Journal of applied physiology (Bethesda, Md. : 1985), 124(6), 1502–1518.
Zwolski, C., Quatman-Yates, C., & Paterno, M. V. (2017). Resistance Training in Youth: Laying the Foundation for Injury Prevention and Physical Literacy. Sports health, 9(5), 436–443.