Será o Exercício Físico uma opção válida na prevenção da Depressão?
Os últimos anos têm sido extremamente desafiantes e uma verdadeira prova de adaptação nas rotinas e quotidiano das pessoas, quer pela pandemia e todas as contingências que lhe são devidas (confinamento, períodos de quarentena, uso de máscara, lavagem e desinfeção constante das mãos, etc.), quer pelo início da Guerra na Ucrânia que está a ter um impacto significativo na atual conjuntura socioeconómica. Ora, isto acaba por arrastar todo um conjunto de outros fatores tais como a inflação constante, a instabilidade dos mercados, postos de trabalho em risco, etc. que por sua vez vão mexendo com os preços e custo de vida das pessoas, o que acaba por ter repercussões na saúde mental das mesmas.
De entre as várias comorbilidades da saúde mental, como são a ansiedade, sintomas de stress pós-traumático, risco de suicídio, transtorno/distúrbios do sono, entre outros, destaco, a depressão (1,2). A Depressão é a principal causa de doença ao nível da saúde mental (3) e, de forma geral, pode ser caracterizada como “um estado clínico que tem um impacto relevante na vida da pessoa…É também uma perturbação afetiva caracterizada por: tristeza; perda de motivação; ansiedade; fadiga; alterações do sono; irritabilidade fácil” (1). A Depressão é uma causa comum e impactante na morbilidade e mortalidade em todo o mundo, inclusive o suicídio, sendo uma doença que limita severamente a capacidade de levar uma vida diária normal, afetando pessoas de todas as faixas etárias, mas sobretudo, na 3a idade (3,4).
De forma mais detalhada, a depressão é um síndrome de desregulação de stress e emoção, capaz de comprometer a integridade estrutural das redes fronto-límbicas. Aliás, há evidência através de meta-análises que indicam que em pessoas com depressão (em particular adultos e idosos) observa-se frequentemente uma redução de volume nas regiões do hipocampo, córtex anterior cingulado, córtex pré-frontal e amígdala, além do comprometimento da integridade da massa branca (5), o que acaba por ter repercussões na capacidade de raciocínio, no humor, bem-estar, entre outros.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de depressão (6). Contextualizando à nossa realidade, Portugal ocupa a 5a posição entre os países com mais casos – cerca de 8% (aproximadamente 800 mil) dos portugueses estão diagnosticados com essa perturbação” (1). No ano de 2017 foram prescritos 20 milhões de embalagens de psicofármacos em Portugal, sendo gastos diariamente 600 mil euros neste tipo de medicação” (7). Números arrebatadores, portanto, e que merecem toda a nossa
atenção, enquanto profissionais do exercício físico, especialmente quando vários estudos corroboram que a prática de exercício físico pode ser uma ferramenta “mais ecológica” no combate a este flagelo, como veremos de seguida.
Relativamente às formas de prevenção e tratamento da depressão, o mais comum são: o recurso a medicamentos antidepressivos; e através da terapia psicológica (psicoterapia em particular); assim como a combinação de ambas (4,8,9,10). Contudo, e fruto de baixas expectativas face aos resultados positivos da terapia e do estigma à volta da mesma, algumas pessoas preferem outras alternativas, como por exemplo o exercício físico, o qual tem evidência que sustenta que pode ser tão eficaz como a medicação ou como a psicoterapia (não excluindo a sua necessidade) (8,9). Relativamente aos medicamentos, há que ressalvar que o seu uso sistemático “acarreta vários efeitos secundários, além de que criam alguma dependência, sem esquecer os elevados custos associados e o fraco compromisso e adesão a um programa contínuo de reabilitação. Portanto, acaba por ser uma opção pouco satisfatória, já que afeta a qualidade de vida dos pacientes” (2).
Numa outra revisão sistemática, combinada com meta-análise, os resultados sugerem que ser-se fisicamente ativo traduz-se em enormes benefícios para a saúde mental, sendo que a OMS recomenda 150-300 minutos de exercício com intensidade moderada ou 75-150 minutos de intensidade vigorosa por semana (3,6). Além disso, verificou-se que acumular um volume semanal de 2,5 horas (150min) de caminhada vigorosa (brisk walking) conduziu a uma diminuição do risco de depressão em 25% e que, com metade dessa dose, o risco diminuiu em 18% quando comparado com não fazer nenhuma atividade. Mais, foi demonstrado que se os adultos menos ativos atingissem os índices de atividade física recomendados, cerca de 11,5% dos casos de depressão poderiam ter sido prevenidos (3).
Pelo que foi exposto, podemos observar que a prática regular de exercício físico poderá ser uma boa opção para ajudarmos a combater esta perturbação, mesmo com pouca regularidade e frequência, face à opção de não fazermos nada, já que a evidência mostra-nos que os seus efeitos são mais exponenciados. Como tal, o exercício, pode ser uma alternativa válida para pacientes que não respondem bem ao tratamento a que são submetidos, assim como para aqueles que não recebem, ou não querem receber, tratamento (10).
Mas afinal o que é que o exercício físico faz ao nível cerebral?
É capaz de remodelar a estrutura cerebral das pessoas com depressão, ativando a função das várias áreas do cérebro (em particular da região anterior), promover
alterações ao nível das adaptações comportamentais, e manter a integridade do hipocampo e do volume de massa branca, o que leva a melhorias no processamento neural, atrasando a degradação cognitiva (2). O exercício também promove a neurogénese através do aumento de fatores metabólicos (ex.: corpos cetónicos, lactato) e de miocinas, que derivam do músculo (catepsina-B; irisina) em resposta ao estímulo das contrações, as quais estimulam a produção de neurotrofinas, tais como o fator neurotrófico derivado do cérebro – BDNF (4,11). Estes processos influenciam o desenvolvimento de novos neurónios aumentando, quer as conexões sinápticas entre eles, quer a vascularização cerebral (5). Há ainda a considerar que o exercício regular exerce efeitos anti-inflamatórios e melhora o estado de redox do cérebro, o que faz com que, por exemplo, tenha efeitos positivos nos marcadores patofisiológicos da doença de Alzheimer” (11).
E que tipos de exercício podemos realizar para que haja um efeito benéfico?
Como os diferentes estudos apresentam limitações ao nível metodológico, acaba por ser difícil de definir, claramente, qual a duração (quer seja do treino, quer do período mínimo da aplicação de um programa), frequência e intensidade com que o exercício deva ser realizado para potenciar os benefícios no combate à depressão e melhoria da saúde mental (2,3,8). No entanto, os vários estudos apontam que o exercício físico foi mais eficaz quando prescrito dentro das, já citadas, recomendações da OMS, sem grandes ganhos a partir desses níveis, mas com claros défices abaixo destas. Também foi demonstrado, numa meta-análise, que os exercícios mais eficazes foram a dança, o treino de força (por induzir melhorias significativas na função cerebral, especialmente ao nível da neuroplasticidade) e o treino aeróbio, em particular as caminhadas/jogging (9), até porque a maioria dos estudos teve no exercício aeróbio a sua base. Sem esquecer que acabam por ganhar mais expressão quando combinados com outros tipos de tratamento, nomeadamente a psicoterapia.
Em suma, apesar dos vários dados revelados e considerando as diferentes formas de exercício físico, é preciso perceber que as pessoas não são todas iguais! E por muito que procuremos uma norma, seja na aplicabilidade de uma “bateria de exercícios”, seja no protocolo de frequência, volume e intensidade dos mesmos, a resposta e adaptação será (deverá ser) sempre individualizada! Por isso, o profissional do exercício físico não poderá prescindir da avaliação, da seleção dos exercícios de acordo com as características e necessidades do cliente, nem do feedback constante com o mesmo, respeitando a sua progressão, mas ciente de que tem uma ferramenta poderosa ao seu dispor para ajudar quem confia no seu trabalho.
1- SNS24 (2022, 20 de dezembro). Saúde Mental – Depressão.
https://www.sns24.gov.pt/tema/saude-mental/depressao/
2- Zhao JL, Jiang WT, Wang X, Cai ZD, Liu ZH, Liu GR. Exercise, brain plasticity, and depression. CNS Neurosci Ther. 2020 Sep;26(9):885-895. doi: 10.1111/cns.13385. Epub 2020 Jun 3. PMID: 32491278; PMCID: PMC7415205.
3- Pearce M, Garcia L, Abbas A, et al. Association Between Physical Activity and Risk of Depression: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Psychiatry. 2022;79(6):550–559. doi:10.1001/jamapsychiatry.2022.0609
4- López-Torres Hidalgo J; DEP-EXERCISE Group. Effectiveness of physical exercise in the treatment of depression in older adults as an alternative to antidepressant drugs in primary care. BMC Psychiatry. 2019 Jan 14;19(1):21. doi: 10.1186/s12888-018- 1982-6. PMID: 30642326; PMCID: PMC6332682.
5- Gujral S, Aizenstein H, Reynolds CF 3rd, Butters MA, Erickson KI. Exercise effects on depression: Possible neural mechanisms. Gen Hosp Psychiatry. 2017 Nov; 49:2-10. doi: 10.1016/j.genhosppsych.2017.04.012. PMID: 29122145; PMCID: PMC6437683.
6- World Health Organization (2022). Physical Activity. https://www.who.int/news- room/fact-sheets/detail/physical-activity
7- Notícias ao Minuto (2020, 20 de fevereiro). Origem da Depressão.
https://www.noticiasaominuto.com/lifestyle/1417665/esta-e-a-regiao-do-cerebro- responsavel-pela-depressao-a-ciencia-explica
8- Cooney GM, Dwan K, Greig CA, Lawlor DA, Rimer J, Waugh FR, McMurdo M, Mead GE. Exercise for depression. Cochrane Database of Systematic Reviews 2013, Issue 9. Art. No.: CD004366. DOI: 10.1002/14651858.CD004366.pub6.
9- Noetel M. et al. Running from Depression: A Systematic Review and Network Meta-Analysis of Exercise Dose and Modality in the Treatment for Depression. Epub 2023 Mar. SSRN: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4388153.
10- Kvam S, Kleppe CL, Nordhus IH, Hovland A. Exercise as a treatment for depression: A meta-analysis. J Affect Disord. 2016 Sep 15;202:67-86. doi: 10.1016/j.jad.2016.03.063. Epub 2016 May 20. PMID: 27253219.
11- Valenzuela PL, et al. Exercise benefits on Alzheimer’s disease: State-of-the- science. Ageing Res Rev. 2020 Sep;62:101108. doi: 10.1016/j.arr.2020.101108. Epub 2020 Jun 17. PMID: 32561386.