Reflexões sobre qualidade no exercício por Rubens Meggetto
“A excelência está nos detalhes”. A frase é conhecida, mas nem sempre a levamos a sério. É evidente que não é possível ser excelente em tudo, mas penso que no escopo da atividade profissional, devemo-nos esforçar constantemente para atentarmos às minúcias e pormenores pretendendo a excelência.
No campo da atuação do profissional do exercício, ‘o detalhe’ parece quase irrelevante quando o pensamento predominante é o “Just do it”, “qualquer coisa é melhor do que nada”. O problema é que através dos detalhes, seja na compreensão das individualidades biológicas, ou das idiossincrasias comportamentais, é que construímos uma experiência qualificada e resultados sustentáveis aos clientes. O almejado aumento na adesão e permanência da população à atividade física depende de uma maior personalização da nossa abordagem e, para isso, precisamos ampliar nossa visão aos detalhes.
Dentre a grande lista de minúcias a serem observadas pelo profissional do exercício[1], penso que requer especial atenção a habilidade de COMUNICAÇÃO. É através desta que somos capazes de exteriorizar de maneira adequada, progressiva e adaptada ao cliente, todo nosso conhecimento técnico e experiência agregada.
Sobre as nuances do uso comunicação verbal e não verbal, proponho algumas reflexões:
1- O(A) cliente é (geralmente) leigo. É papel do profissional do exercício “traduzir” os objetivos e expectativas do(a) cliente.
O primeiro contato com um(a) potencial cliente é um momento fulcral onde o equilíbrio entre ouvir e falar deve ser observado por nós. É o momento onde o foco não deve ser simplesmente vender e usar estratégias de influências, mas ampliar o escopo da compreensão de COMO podemos ajudar com nossas habilidades (e estas são muito diferentes entre cada profissional). O(A) cliente geralmente busca algo que não tem no momento, ao tomar a decisão de buscar a ajuda de um profissional do exercício. É nosso dever compreender profundamente quais são essas carências para honestamente e humildemente oferecermos uma proposta de solução, baseado em nossas reais habilidades e competências.
2 – O corpo expressa tanto quanto a fala. Nossa imagem não é somente aparência, mas sobre tudo a sensação que nossa presença causa aos presentes.
Com certo tempo de atuação e experiência, é possível identificar no olhar, se o(a) cliente está ou não a prestar atenção no que estamos a dizer. É relativamente fácil notar se este(a) está a ouvir atento aos feedbacks que falamos ou se está a pensar nos problemas da vida.
É igualmente fácil notar o grau de envolvimento de um(a) profissional com seu aluno só de olhar a expressão facial, os gestos, a atenção no olhar, o jeito de falar. Obviamente esta reflexão não é apologia ao julgamento da atuação dos colegas de profissão, mas um convite a auto vigilância e observação de nosso próprio comportamento corporal. Não acredito que haja uma única forma correta de se portar e interagir, mas vale sempre perguntar-se: “se eu visse alguém a fazer o que estou a fazer agora, qual seria a minha impressão?”
Policiarmo-nos para estarmos alerta a nosso comportamento corporal reflete em nossa imagem e credibilidade como profissionais de maneira individual e coletiva. Representamos não somente a nós, mas a todos aqueles partilham da mesma profissão.
3 – Falemos o necessário, de forma objetiva e precisa. Usar mais palavras não necessariamente expressa melhor uma ideia.
Aprendi no programa Resistance Training Specialist (RTS) que um dos objetivos de uma sessão de treino, é entregar uma experiência de sucesso através do exercício. A comunicação verbal e não verbal tem como objetivo transferir o conteúdo e conhecimento do(a) profissional para o(a) aluno(a) e este usará a própria interpretação para reproduzir aquilo que foi informado/solicitado. Portanto, para essa experiência ser bem-sucedida, a fala por parte do(a) profissional, precisa ser diretiva e clara, pois assim, o(a) aluno(a) tem maior chance de cumprir com precisão o que foi pedido.
No que se refere ao ensino e monitoramento do exercício, menos palavras podem cumprir com maior sucesso um objetivo. Afinal, o(a) cliente precisa ouvir, interpretar e executar o que falamos. Não parece estratégico sobrecarregar a mente deles(as) com um grande volume de informações.
Quando estiver a falar algo para um(a) aluno(a), reflita internamente “Qual o objetivo dessas palavras que acabei de pronunciar?”. “O objetivo foi cumprido, causou a ação que desejava?” “Poderia ter falado a mesma coisa com menos palavras?”.
E obviamente, parafraseando Tom Purvis: Pense ciência, mas fale a língua do(a) cliente. Use as palavras que constam no vocabulário daquele(a) que está a sua frente. Menos é mais.
4- As mãos comunicam mais do que imaginamos. Só toque o(a) cliente durante um exercício, com um objetivo claro em mente.
Sempre que tocamos em alguma parte corporal, a atenção se volta àquele sítio. Portanto o toque pode ser estrategicamente útil, ou desapercebidamente distrativo.
Podemos usar nossas mãos para estimular o foco em uma tarefa, dar referências posicionais, auxiliar na condução de um movimento, aumentar a sensibilidade contráctil. Na mesma medida elas podem causar desconforto, confusão e distração.
É necessário observar a “finesse” ao toque: pressão, simetria, posicionamento, abrangência, coerência. Se tem dúvidas sobre a ação de seu toque, ensaie com alguém de confiança aquilo que pretende usar com o(a) cliente. Pergunte a sensação e compare se o feedback corresponde a sua intenção inicial. Peça para que esta pessoa execute em você o mesmo toque. Sinta aquilo que o outro sentiu com esta intervenção.
O exercício pode ser visto como um passatempo, uma distração, ou como uma ferramenta útil e fiável na construção da saúde e qualidade de vida da população. Na mesma medida, o profissional do exercício pode ser considerado um luxo, um supérfluo, ou uma necessidade na perspectiva do(a) cliente. O que inequivocamente é um fator de peso nessa balança, é nossa tolerância enquanto profissionais, ao imenso universo de detalhes que nossa atuação exige.
[1] Disponibilidade de amplitude de movimento articular, controle muscular, tolerância a fadiga, expectativas do cliente, experiência do cliente, tolerância local, tolerância sistêmica, objetivos do cliente, capacidade de foco, capacidade de controle, entre outros.