Portfolio de exercícios vs Construção personalizada e automatismos.

Portfolio de exercícios vs Construção personalizada e automatismos.

Tal como no quotidiano da pessoa comum que procura uma ferramenta para cada ocasião, procura-se também um exercício para cada objetivo ou até digamos para cada estado de espírito. Mas claro isto é a pessoa comum, e do ponto de vista do lazer nem é mau de todo! Já o Tecnico do Exercício Fisico (TEF) tem por obrigação um visão profissional, cujo seu objeto de trabalho vulgo exercício é sinónimo de uma interação entre corpo e resistência, este binómio, tem variáveis específicas do corpo e variáveis específicas da resistência, para a aplicação de resistência externa, importa compreender a dimensão física e mecânica, estas assumem um papel determinante para uma adequada personalização ao sistema neuromusculoarticular do corpo humano. A responsabilidade de entregar um produto com especificidade ao ser humano em contexto de treino não passa por uma lista de exercícios de aplicação mais ou menos variável, especificidade não é de uma modalidade ou de um gesto, o exercício só é específico se no centro do processo estiver o corpo humano e as suas individualidades neuromusculoarticular, desse modo, devemos enquanto profissionais combater automatismos, sair do piloto automático, e constantemente, estar atento aos detalhes do praticante e avaliar, ajustar, e optimizar.

Um exercício não vale apenas por si só, nem é uma “entidade mágica”, isto é, não auto determina a sua real e eficiente estimulação, apenas pela sua alegada designação clássica, tal como o movimento, não nos diz nada se não soubermos a influência da força e as suas característica(direção, sentido, ponto de aplicação, e magnitude).

Para simplificar o entendimento, é necessário compreender: os cenários mecânicos de cada articulação (perfil de resistência ao longo da ADM), a fisiologia muscular (perfil de força fisiológico), características das leis da física durante o uso de halteres, cabos, máquinas, elásticos, peso do corpo (leis de Newton), e condições/características individuais (arquitetura óssea e patologias). Esta premissa acerca do exercício desmistifica a procura de o – “Melhor Exercício” – e manda por terra a lista dos “3 melhores” exercícios para pernas ou peito ou costas, se assim fosse, para uma pessoa comum o Personal Trainer seria inútil, bastava fazer os alegadamente “melhores exercícios” para cada grupo muscular, repetí-los as vezes necessárias, e esperar que adaptações positivas surgissem como por magia. Alerto também que o exercício não tem “nota artística”, a sua execução depende do sujeito, e é tanto melhor, quanto mais respeitar as suas características individuais, existe um agachamento, uma remada, um press etc, único, próprio e ajustado para coda corpo, pensar no oposto é tirar o ser humano do centro do processo. A verdadeira personalização vem do ajuste do exercício ao corpo, e não do oposto, do corpo a procurar “sobreviver” ao exercício.

Nesta reflexão vou apenas abordar resumidamente contexto da mecânica e fisiologia articular e muscular assim como a física da aplicação da resistência, uma remada não estimula eficientemente as fibras do Grande Dorsal apenas pela sua designação, o exercício vulgo supino com barra não trabalha as fibras do peitoral ajustadamente, apenas pela sua designação. A resposta a uma eficaz estimulação dos tecidos musculares encontra-se na física, porque, em primeiro lugar na aplicação de um exercício, o estímulo é mecânico, só depois fisiológico. Para além disso o profissional deve constantemente instruir o praticante a criar um contexto intencional e específico para a correta e eficiente estimulação dos tecidos em causa em cada momento. O apelo á voluntariedade da prática torna o processo de treino mais rico do ponto de vista proprioceptivo, do controlo motor, foco interno, excitabilidade cortical no córtex motor e integridade articular.

A tomada e de decisão em cada exercício por parte do TEF deve ser estrategicamente pensada, para que o praticante consiga perceber o alvo que está a ser estimulado, para além da instrução verbal existe também a criação do contexto mecânico através da manipulação e conhecimento das leis de Newton, a aplicação prática das suas leis é o corolário da expertise na manipulação das variáveis inerentes ao exercício, cuja aplicação no treino, resulta em séries de exercícios ajustados, eficazes e eficientes, verdadeiramente capazes de gerar adaptações positivas.

Dou 6 exemplos práticos de como a mecânica e a física me ajudam diariamente a construir contextos de estimulação seguros, e únicos para cada praticante, fugindo de automatismos que podem levar a exercícios desajustados e com maior risco lesivo:

  1. Com base nas leis da física Instruir o praticante a gerar contra uma massa uma força constante durante toda ADM e exclusivamente suficiente para vencer a sua carga lentamente permite uma redução das forças inércias a que o sistema está sujeito, com o benefício de garantir uma variação da resistência muscular menor e constante, sem momentos de descanso, e menor risco de stress articular, pois a inércia é reativa e ataca as alavancas na mesma direção mas em sentido oposto à da aceleração. Costumo utilizar com o praticante a seguinte analogia, um regulador de intensidade de luz, instruindo durante o exercício que quero uma intensidade de luz constante e não, ora acende, ora apaga.
  2. Com base na 2a lei de Newton – aceleração – conhecer as características da aceleração permite ter em perspectiva as suas consequências. Estrategicamente alterar a velocidade de execução permite aumentar ou diminuir a variação da resistência muscular. Assim como perceber que com acelerações maiores existem forças momentaneamente de magnitude superior, aumentando assim os níveis de stress intra-auriculares, e consequentemente maior potencial dano. Costumo utilizar com o praticante a seguinte analogia em jeitos de pergunta: como é que você fecha as portas da sua casa ou carro, rapidamente e com força ou lentamente e sem estrondo ao bater? A resposta é prontamente a 2a opção, e aí explico que se quer preservar as suas estruturas articulares tal como gosta de preservar os eixos das suas portas deve fazer o exercício com baixas acelerações e com uma magnitude de força corresponde apenas á necessária para evitar “estrondo” no limite articular.
  3. Com base na 3a lei de Newton – ação/reação – quando um objeto aplica força a um segundo objeto, este responde com uma força de igual magnitude mas de sentido oposto. Num cenário de exercício é preciso saber qual o ponto de entrada de força no corpo, e se há potenciais forças de fricção a correr. A combinação das 2 forças provocará uma resultante, está que será a verdadeira direção de resistência, e que determina a participação muscular. Na prática este conhecimento é muito útil, para ensinar a fazer sentir os “alvos” que um exercício se propõe a estimular. Instruindo através da intenção. Sempre que há a possibilidade de pontos de fricção pode-se criar um contexto de estimulação apenas com a intenção de friccionar. Por exemplo no exercício de prancha solicitar a fricção dos antebraço contra o tapete e na direção do peito, este contexto mecânico de imediato faz o praticante sentir os seus flexores da coluna, outro exemplo é o agachamento isometrico na parede, pedir ao praticante para aplicar uma força de fricção com os pés para a frente(no sentido da extensão do joelho) criará um contexto de estimulação mais desafiante para os extensores do joelho. No exercício de flexão de braços ou supino com barra solicitar intencionalmente a fricção das mãos no sentido da aduçao do ombro, esta ação gera forças reativas que permitem aumentar a participação da musculatura que se opõe á adduçao, vulgo peitoral.
  4. Estar atento e perceber onde a resistência(força) entra no corpo (pontos de aplicação), juntamente com a variação do braços de momento(BM) ao longo da ADM, que por sua vez determina o perfil de resistencia(PR) é a nova visão que faz a diferença na minha prática profissional. Por exemplo, manipular o ponto de aplicação da carga faz aumentar ou diminuir o BM, com esta manipulação aumento ou reduzo o torque articular(ação de uma força em torno de um eixo calculada através de: BM x Força externa) para uma mesma magnitude de força, ou seja a carga percecionada muda, e posso optar por mais torque e mais stress articular ou menos, ex.: Abdução do ombro no plano frontal com carga mais ou menos próxima da art. glenohumeral; flexão do joelho no plano sagital com carga mais ou menos próxima da art. tibiofemoral.
  5. Quanto á fisiologia será óptimo conseguir construir exercícios que respeitem a arquitetura óssea da cada indivíduo, assim como da capacidade fisiológica do sistema neuromusculararticular gerar força. Quanto á arquitetura óssea é necessário avaliar e perceber o que cada articulação tem disponível em cada momento de treino, e o seu controlo muscular nos extremos, para poder desenhar um contexto mecânico de estimulação orientado para uma ADM ajustada ao praticante, ex.: se na art. Glenohumeral só há 165 graus disponíveis com controlo pelo praticante, no lat pull down reconstrui-lo de maneira que a flexão do ombro na fase final da ADM não ultrapasse essa flexão, pedindo por exemplo ao praticante para horizontalizar o exercício e vir mais para o plano sagital. Para um press de ombros no banco, por exemplo baixar o banco de maneira a que o halter alinhe com a art. Glenohumeral mais cedo, isto é antes de chegar aos 165 gruas onde perde segurança.
  6. Do ponto de vista das característica fisiológicas contrateis do tecido muscular, a capacidade de produzir força varia consoante a posição contrátil do tecido, posto isto, a posição óptima situa-se a meio do comprimento muscular onde há maior número e potencial de ponte cruzadas de actina e miosina, por oposição, a capacidade contrátil reduz drasticamente nos extremos. Com este conhecimento podemos orientar a construção de cenários mecânicos que façam um “match” perfeito entre o Perfil de te Resistência fisiológico do corpo, com o Perfil de Força de um exercício. Esta costumização visa a preservação das estruturas articulares diminuído o potencial dano e stress a que o sistema neuromusculoarticular é sujeito durante o exercício, entregando ao praticante um exercício integralmente adaptado às suas características. Por ex.: no exercício peso morto perdemos capacidade contrátil á medida que vamos para o alongamento dos extensores da anca e da coluna, no entanto, é onde o PF do exercício é maior, e o PR do corpo é menor, tornando o exercício extremamente difícil nesse momento, e muito mais fácil quando ficamos de pé com a carga alinhada com eixos articulares, isto torna o exercício ora exageradamente intenso o ora pouco intenso, esta consideração explica que no Peso Morto estamos limitados a evoluir na carga, pelo que apenas podemos tolerar no alongamento, não podendo estimular onde a capacidade óptima de fazer força for pelo corpo é superior, com mais carga. Contudo a utilização de elásticos ou correntes pode ajudar a acomodar carga, reduzindo-a no alongamento e aumentando á medida que nos vamos aproximando da extensão e do alinhamento da carga com os eixos. Também nas maquinas isto acontece, e cabe ao Personal Trainer conhecedor destas temáticas a sua correta manipulação, para procurar os ajuste mecânicos mais apropriados para cada individuo. Com esta técnica, conseguimos construir um exercício mais ajustado à capacidade do corpo produzir força, e por consequência manter uma aceleração constante sem a necessidade de grandes puxões ou empurrões, que fazem aumentar os efeitos da inerciais.

Fugir dos automatismo leva-nos a continuadamente contruir cenários óptimos e ajustados a cada praticante em cada momento, tornando a nossa prática mais eficaz e eficiente. Respeitar a individualidade biológica de cada praticante significa estar atento aos detalhes, e ao mesmo tempo procurar ver o cenário como um todo, e isto pode muito bem ser o caminho de uma prática cada vez mais significativa, autêntica, e de altíssimo valor na preservação e melhoria da saúde e capacidades físicas dos nossos clientes. Acredito que este seja o caminho para elevarmos cada vez mais a nossa responsabilidade social, e a termos cada vez mais praticantes de exercício, a fazê-lo com qualidade e a recomenda-lo.

Licenciatura em Ciências do Desporto Certificado Master em Treino de Força Personal Trainer desde 2012