Parkinson e Exercício Físico por Ricardo Coelho

Parkinson e Exercício Físico por Ricardo Coelho

A Doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa crónica progressiva que, segundo o estudo da Global Burden of Disease de 2016, em 2015 afetava cerca de 6,1 milhões de pessoas globalmente e estima-se que, em 2040, este número aumente para 13 milhões.

“Segundo o estudo da Global Burden of Disease de 2016, em 2015 afetava cerca de 6,1 milhões de pessoas globalmente e estima-se que, em 2040, este número aumente para 13 milhões”.

Relativamente às causas da doença, na maior parte dos casos é desconhecida, mas há estudos que referem que existem alguns fatores que podem aumentar o risco de a desenvolver, tais como, a variação da combinação genética de alguns genes, toxinas ambientais, stress oxidativo, anomalias no DNA mitocondrial e alterações derivadas do processo de envelhecimento.[7,14] Esta patologia ocorre normalmente a partir dos 50 anos [6,7], e caracteriza-se pela presença de disfunção monoaminérgica múltipla, que compreende o défice de sistemas dopaminérgicos (dopamina), colinérgicos (acetilcolina), serotoninérgicos (serotonina) e adrenérgicos (noradrenalina). [14,15]

Uma caraterística clássica da doença, é a morte progressiva de neurónios dopaminérgicos na substância nigra pars comparta, localizada no mesencéfalo, que induz um decréscimo progressivo dos níveis de um neurotransmissor chamado dopamina, que implica um funcionamento anormal dos circuitos neurais motores, executivos (resolução de problemas e comportamento) e límbicos.[3] A redução, em média, de 60% dos níveis de dopamina acarreta a manifestação dos sintomas motores clássicos que caraterizam esta doença.[7,13,15] A fisiopatologia da Doença de Parkinson, não está só relacionada com o sistema dopaminérgico, mas também com a degeneração de neurónios noutras partes do cérebro, tais como, no tronco cerebral e córtex cerebral, que competem com e precedem a degeneração de neurónios do sistema de gânglios da base.[7] A degeneração de neurónios colinérgicos no núcleo pedúnculo-pontino, que também é uma caraterística da doença, provoca contração excessiva dos músculos, podendo trazer distúrbios na marcha, na postura e bloqueios motores. Algumas disfunções cognitivas que alguns doentes apresentam em estádios mais avançados da doença parecem estar também relacionados ao sistema colinérgico. [2,14,15] Segundo Souza et al. (2011) e Jankovic (2008) os sintomas motores clássicos são:

  • Tremor – Na maior parte dos casos, o tremor é unilateral e ocorre com uma frequência entre 4-6 Hz, habitualmente nas extremidades (pé, mãos). Com a evolução da doença, o tremor pode generalizar-se. A maior parte das descrições referem tremor da mão (“pill-rolling tremor”), pé, lábios, queixo, maxilar, pernas ou tremor postural e, mais raramente, no pescoço, cabeça ou modulação da voz. Normalmente, os tremores desaparecem durante o sono e no início de uma ação voluntária, podendo aparecer novamente quando a ação ou postura mais prolongada se mantém, e aumentar em situações de stress e ansiedade.
  • Rigidez – Aumento do tónus muscular em toda a amplitude de movimento e que pode ser acompanhado de tremores (“cogwheel phenomenon”), diminuindo a amplitude de movimento. Este sintoma pode afetar inicialmente apenas um lado do corpo, progredindo para o resto do corpo com o evoluir da doença, e pode estar relacionado com dor.
  • Bradicinésia – É o sinal principal da Doença de Parkinson e engloba dificuldades no planeamento, início e execução de movimentos, realização de tarefas sequenciais e em simultâneo. As primeiras manifestações são a execução tarefas do dia a dia de forma mais lenta, aumento do tempo de reação e dificuldade em realizar tarefas que requerem motricidade fina. O doente apresenta, também, incapacidade relativa de estimular os músculos e produzir força suficiente para iniciar e manter movimentos. Tal como outros sintomas, a bradicinésia parece ser influenciada pelo estado emocional do doente.
  • Instabilidade Postural – A perda de reflexos posturais é uma manifestação de estados mais avançados de Parkinson, ocorrendo geralmente após o aparecimento de outros sintomas e sendo a causa mais comum de quedas. O doente apresenta dificuldades em gerir o seu centro de massa, em manter-se sentado e em mudar de posição. A hipotensão ortostática, mudanças ao nível sensorial e a perda da capacidade de integrar a informação sensorial visual, vestibular e propriocetiva são fatores que também têm influência na manifestação deste sinal de doença.

Estes sintomas, que podem ou não estar associados, dão origem a sintomas característicos da doença, tais como, dificuldade na marcha, falta de equilíbrio, perda de expressão facial e perda de capacidade de articular palavras (disartria). Relativamente aos sintomas não motores, estes podem manifestar-se com o desenvolvimento da doença, nomeadamente ao nível sensorial (perda de olfato, dor, parestesias), disfunção do sistema nervoso autónomo (dificuldades na deglutição, obstipação, incontinência urinária) e ao nível cognitivo e comportamental (depressão, apatia e demência).[3,9;13] Pandya et al. (2008) referem que alguns sintomas não motores (perda de olfato, depressão, ansiedade, fadiga, obstipação) podem preceder o aparecimento dos sintomas clássicos motores da Doença de Parkinson.

“Existe um padrão típico de progressão da doença que se pode definir em cinco estágios, sendo os estágios 1 e 2 os iniciais, 3 o intermédio e os estágios 4 e 5”

Segundo a Parkinson’s Foundation [16], esta patologia manifesta-se de forma diferente em cada pessoa. Nem todas as pessoas com Doença de Parkinson vão apresentar todos os sintomas, e, caso apresentem, estes manifestam-se em variáveis proporções.[7] Existe um padrão típico de progressão da doença que se pode definir em cinco estágios, sendo os estágios 1 e 2 os iniciais, 3 o intermédio e os estágios 4 e 5 são considerados estágios avançados da doença:

  • Estágio 1 – A pessoa tem sintomas suaves que, normalmente, não interferem com as tarefas do dia a dia. Podem apresentar tremor unilateral ou outros sintomas relacionados com movimento, tais como mudanças posturais ou alterações na marcha e expressão facial.
  • Estágio 2 – Os sintomas começam a piorar e as tarefas quotidianas começam tornam-se mais lentas e difíceis de executar. O tremor, rigidez e outros sintomas relativos ao movimento começam a afetar ambos os lados, apresentando maiores défices ao nível da marcha e postura.
  • Estágio 3 – A perda de equilíbrio e lentidão dos movimentos são as caraterísticas que marcam este estágio. Há maior risco e ocorrência de quedas, tarefas do dia a dia como vestir e comer começam a ser difíceis de realizar autonomamente.
  • Estágio 4 – Neste estágio, os sintomas apresentam-se mais severos, poderá haver necessidade de suporte durante a marcha e a pessoa não é capaz de viver sozinha.
  • Estágio 5 – É o estágio mais avançado, em que a pessoa está dependente de outrem para todas as suas tarefas diárias. A rigidez impede a pessoa de se conseguir locomover, havendo necessidade de que esta fique acamada, ou necessita de cadeira de rodas.

O tratamento para a Doença de Parkinson vai depender dos sintomas apresentados. Existe uma variedade de tratamentos que ajudam a gerir os sintomas motores e apresentam uma melhoria na qualidade de vida do doente. Também são realizados tratamentos cirúrgicos e terapias complementares, onde o exercício está incluído. [7]

Segundo Carvalho et al. (2018), a prática de exercício físico regular tem demonstrado ter alguns potenciais benefícios sobre os sintomas motores e não motores da Doença de Parkinson, referindo que a síntese e expressão de neurotransmissores monoaminérgicos, induzidos pelo exercício, podem ter um efeito positivo nos sintomas motores da doença, influenciar direta ou indiretamente a neuroplasticidade do cérebro, tendo um efeito benéfico nas vias neurais afetadas. Relativamente aos sintomas não motores, sessões de exercício físico parecem induzir a expressão de fatores neurotróficos que estão relacionados com o aumento da ramificação dos dendritos e aumento das áreas corticais, biogénese mitocondrial e regulação do sistema serotoninérgico. No entanto, apesar de existirem inúmeros estudos relativamente ao efeito do exercício em doentes com Parkinson, é necessário realizar estudos mais específicos, de forma a perceber os efeitos que cada intervenção tem, tanto ao nível da prevenção como na progressão ou não da doença.[3,5,8,13] Xu et al. (2010) e Salgado et al. (2013) , referem que o exercício poderá ter um efeito neuroprotetor relativamente ao desenvolvimento da doença, e os segundos autores referem também que níveis altos de atividade entre os 35-39 anos de idade parece reduzir o risco de que esta ocorra.

“Xu et al. (2010) e Salgado et al. (2013) , referem que o exercício poderá ter um efeito neuroprotetor relativamente ao desenvolvimento da doença, e os segundos autores referem também que níveis altos de atividade entre os 35-39 anos de idade parece reduzir o risco de que esta ocorra”.

O exercício está relacionado com a redução do risco de quedas, diminuição dos sintomas motores e não motores, melhoria do desempenho motor, equilíbrio, marcha, aumento da qualidade de vida e melhoria do planeamento e execução de tarefas.

Sabemos que quanto mais cedo a pessoa começar a realizar exercício físico melhor, mas a questão centra-se em torno de qual o tipo de intervenção que o profissional do exercício deverá ter. A decisão terá de ser tomada pelo profissional tendo em conta algumas questões, tais como: Quem é o cliente? Que sintomas motores e não motores apresenta? Em que estágio da doença se encontra? Qual a sua disponibilidade neuro-músculo-articular? Qual a sua disponibilidade psicológica? Apesar de nós, profissionais do exercício, podermos ter um contexto mais personalizado, onde podemos ter uma intervenção mais específica, é importante termos algumas linhas gerais/recomendações por onde possamos guiar as pessoas a conseguirem criar hábitos de exercício físico, e mesmo nos ajudar a perceber por onde devemos começar a nossa intervenção.

“A decisão terá de ser tomada pelo profissional tendo em conta algumas questões, tais como: Quem é o cliente? Que sintomas motores e não motores apresenta? Em que estágio da doença se encontra? Qual a sua disponibilidade neuro-músculo-articular? Qual a sua disponibilidade psicológica?”

O American College of Sports Medicine (2017) publicou recomendações sobre a prescrição de exercício para doentes com Parkinson, como está caraterizado nas tabelas seguintes.

Atividades como caminhada resultam em melhorias ao nível cardiorrespiratório, capacidade física, equilíbrio, agilidade, marcha e redução de alguns sintomas motores como por exemplo o tremor.[8,13,18] É muito importante o treinador fornecer instruções, sejam estas visuais, auditivas ou táteis, relativamente ao ritmo/cadência ou foco da tarefa, de forma a estimular o planeamento e execução das mesmas e, desta forma, criar desafios progressivos mediante a resposta do doente. Em doentes que tenham dificuldade em manter o equilíbrio ou algum problema osteoarticular, os cicloergómetros poderão ser uma boa opção.

Segundo Salgado et al. (2013), a doença de Parkinson não acarreta apenas disfunções a nível motor, mas também leva, consequentemente, a perda de força, podendo esta ser mais notória nos flexores e extensores da anca, joelho e punho. O treino de força parece ser uma ferramenta para melhorar alguns sintomas e a sua aplicação apresenta algumas melhorias na força muscular, resistência muscular, função neuromuscular, capacidade de produção de força, iniciação e velocidade da marcha, tarefas do dia a dia e mobilidade.[13,17] Mais do que treinar os principais grupos musculares, é necessário o treinador ter como foco o cliente, nas suas diferentes particularidades, explorar quais as necessidades do mesmo, de forma a guiar a sua prática, criar contextos de estimulação específica positivos e progressivos. Poderá ser interessante construir exercícios que promovam e capacitem a musculatura da coluna, visto uma boa capacidade/funcionamento da mesma é um pré-requisito para grande parte dos movimentos.

O treino de skills motores mais específicos, tais como equilíbrio, coordenação, marcha e agilidade, devem fazer parte da organização de treino dos doentes, trazendo melhorias ao nível do equilíbrio e prevenção de possíveis quedas, em doentes que corram esse risco. [5,13] É importante que o corpo seja desafiado, sempre tendo em conta as caraterísticas do cliente. Com isto não quero dizer que terá de ser fácil, mas sim que é necessário criar progressões para que os desafios ocorram sem comprometer o doente, e para que este tenha sucesso/prazer na realização das mesmas. O exercício deve ser adaptado regularmente, de acordo com a progressão da doença, de forma a otimizar os benefícios.

“Em modo de conclusão, acredito que o exercício é uma excelente “arma” para melhorar a saúde, tendo efeito preventivo de doenças e benefícios casos estas existam.”

Em modo de conclusão, acredito que o exercício é uma excelente “arma” para melhorar a saúde, tendo efeito preventivo de doenças e benefícios casos estas existam. Segundo Ellis e Rochester (2018), existem algumas barreiras que podem dificultar a adesão a programas de exercício, considerando necessário haver uma abordagem mais personalizada e que vá ao encontro das necessidades dos doentes. Também referem que apenas o sugerir a prática de exercício físico poderá não trazer a melhor orientação para a pessoa. Aqui surge a necessidade da intervenção dos técnicos de exercício físico junto dos médicos, de forma a criarem uma equipa multidisciplinar com o intuito de guiar o melhor possível o doente, fazendo com que este inicie, mantenha ou continue a prática de exercício físico, trazendo benefícios ao nível da qualidade de vida do doente e das pessoas que o rodeiam.

 

Referências:

  1. ACSM’s Guidelines for Exercise Testing and Prescription 10 Edition. (2018). Wolters Kluwer.
  2. Alexandre, G. (2004). Biology of Parkinson’s disease: pathogenesis and pathophysiology of a multisystem neurodegenerative disorder .
  3. Carvalho, A., Filho, A., Rodriguez, E., Rocha, N., Carta, M., & Machado, S. (2018). Physical exercise for Parkinson’s disease: Clinical and experimental evidence .
  4. Collaborators, G. 2. (2016). Global, regional, and national burden of Parkinson’s disease, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016.
  5. Ellis, T., & Rochester, L. (2018). Mobilizing Parkinson’s disease: The future of exercise.
  6. Gallo, P., & Garber, C. (2011). Parkinson Disease: A comprehensive approach to exercise prescription for the health fitness professional.
  7. Garza-Ulloa, J. (2019). Update on Parkinson’s Disease.
  8. Goodwin, V., Richards, S., Taylor, R., Taylor, A., & Campbell, J. (2008). The effectiveness of exercise interventions for people with Parkinson’s disease: A systematic review and meta-analysis.
  9. Jankovic, J. (2007). Parkinson’s disease: clinical features and diagnosis.
  10. Lima, L., Scianni, A., & Rodrigues-de-Paula, F. (2013). Progressive resistance exercise improves strength and physical performance in people with mild to moderate Parkinson’s disease: a systematic review.
  11. Mattle, H., & Mumenthaler, M. (2017). Fundamentals of Neurology 2 Edition.
  12. Pandya, M., Kubu, C., & Giroux, M. (2008). Parkinson disease: Not just a movement disorder.
  13. Salgado, S., Williams, N., Kotian, R., & Salgado, M. (2013). An evidence-based exercise regimen for patients with mild to moderate Parkinson’s disease .
  14. Souza, C., Almeida, H., Sousa, J., Costa, P., Silveira, Y., & Bezerra, J. (2011). A Doença de Parkinson e o Processo de Envelhecimento Motor: Uma Revisão de Literatura.
  15. Teive, H. (2005). Etiopatogenia da Doença de Parkinson.
  16. parkinson.org. (2020). Obtido de https://www.parkinson.org/Understanding-Parkinsons/What-is-Parkinsons/Stages-of-Parkinsons
  17. Xu, Q., Park, Y., Huang, X., Hollenbeck, A., Blair, A., Schatzkin, A., & Chen, H. (2010). Physical activities and future risk of Parkinson disease.

Licenciado em Desporto e Bem-Estar e Master em Treino de Força EXS Exercise School