Os benefícios do exercício físico na dor lombar crónica não especifica
A dor lombar não especifica – o que é e que implicações acarreta à sociedade atual?
A dor lombar crónica (DLC) caracteriza-se por ser uma dor localizada entre a zona costal e as pregas glúteas inferiores, com ou sem erradicação para as pernas, tendo uma duração de 12 ou mais semanas[1][2]. Alguns estudos referem que cerca de 70% dos adultos sofre de DLC, relevando que em 85 /90% dos casos os médicos não conseguem descortinar as verdadeiras causas que originam tal dor, levando a que os pacientes sejam classificados com dor lombar não específica, sendo este um problema extremamente comum na atualidade.[1][3]
Sabe-se que atualmente as lombalgias possuem uma etiologia multifatorial, estando dependentes de: fatores individuais (idade, capacidade física); fatores psicossociais (ansiedade, stress, depressão); e fatores ocupacionais (trabalho laboral de elevado desgaste), fatores estes inerentes ao quotidiano do respetivo paciente.[3]
Os estudos já realizados apontam para uma maior incidência desta patologia em indivíduos com mais de 50 anos de idade, do género feminino, com um baixo status económico, baixa escolaridade e fumadores.[4] Esta relação pode ser explicada pelo facto de as pessoas estarem expostas durante muitos anos a grande desgaste articular, devido às tarefas laborais e domésticas, e de as mulheres passarem por um processo de sobrecarga e lesões, durante e após a gravidez, com a agravante de fisiologicamente possuírem menos massa muscular comparativamente ao género masculino. Alem disso, indivíduos com menos escolaridade possuem, por norma, empregos com maior desgaste físico, sendo que, no caso dos fumadores, a nicotina provoca efeitos sistémicos nas articulações da coluna vertebral, acelerando o processo de degeneração e aumentando o potencial de transmissão de impulsos de dor no sistema nervoso central.[4]
O facto de a DLC ser a maior causa de aposentação prematura dos trabalhadores (comparativamente a comorbilidades cardíacas, diabetes, hipertensão e doenças respiratórias), ela provoca, consequentemente, um profundo impacto económico, não só a nível individual (os trabalhadores estando de baixa acumulam menos rendimentos), mas também a nível social, pois acarreta elevados custos de cuidados de saúde para os contribuintes, sendo um dos principais responsáveis nos custos dos sistemas de saúde.[2][5]
Na conjuntura atual em que vivemos – com uma população cada vez mais envelhecida e sedentária (o aparecimento das dores lombares pode estar relacionada com a incapacidade dos tecidos musculares tolerarem as demandas do dia-a-dia), com o aumento da idade mínima para a reforma (obrigando as pessoas a permanecer mais tempo no ativo) e com um constante acréscimo das exigências laborais (gerador de maiores níveis de stress) – os esforços financeiros impostos aos contribuintes, com vista ao financiamento dos sistemas nacionais de saúde, tendem a ser, cada vez, maiores e mais gravosos. Daí que, consequentemente, se torne de extrema importância arranjar estratégias que contribuam, não só, para o tratamento da DLC, mas que, simultaneamente (e sobretudo), previnam o seu aparecimento.
O papel do exercício físico na prevenção e melhoria dos sintomas da dor lombar cronica.
Existe atualmente alguma evidência científica que tem demonstrado a influência do exercício físico na redução da dor e na melhoria da função física em pacientes com DLC não especifica.[3] O exercício visa aumentar a força muscular e articular, melhorar a função muscular e amplitude de movimento, com o propósito de diminuir a dor, melhorar a funcionalidade e acelerar a recuperação dos pacientes para as atividades usuais.[2] É considerado uma das melhores estratégias, a curto prazo, para reduzir a dor e a incapacidade física [6]. No entanto, devido à imensa diversidade de intervenções e metodologias de exercício que são utilizadas nos estudos, bem como as várias determinantes que influenciam o treino (nomeadamente a sua intensidade e duração), torna-se difícil chegar a um consenso de uma prática clínica que defina quais os exercícios a utilizar assim como a sua dosagem.[3]
Iremos então, nestes próximos parágrafos, debruçar-nos sobre os diferentes tipos de abordagens que têm sido estudados para o tratamento da DLC e os seus resultados, mas antes de tudo, perceber o que é exercício físico?
O exercício físico pode ser definido como: “Concretização motora que estimula adaptações fisiológicas potenciadoras da preservação ou melhoria da saúde neuro-músculo-articular e metabólica.” (Nuno Pinho)
Partindo deste pressuposto, visa-se que a aplicabilidade do exercício melhore as capacidades psicomotoras de todos os indivíduos, sendo de extrema relevância dominar as matérias que envolvem o exercício (binómio física- corpo)
Para nos ajudar a perceber a influência do exercício na DLC, vamos basear- nos em alguns estudos de meta análises (NMA)
Numa das NMA[1] foi analisada a eficácia de vários tipos de intervenção recorrendo ao exercício físico em adultos que reportavam DLC não especifica, há mais de 12 semanas. Para o efeito foram elegidos 89 estudos em 11273 analisados. Para além de verificar a eficácia dos vários tratamentos para redução da dor, foram também examinados os efeitos dos tratamentos para melhoria da função física, saúde mental, em alternativa á prescrição de produtos farmacológicos analgésicos bem como no fortalecimento da musculatura do tronco. Especificamente procurou-se analisar a eficácia de tratamentos com recurso ao exercício físico, comparativamente à utilização de outros meios, como, por exemplo, as terapias manuais.
Os resultados encontrados demonstraram que o exercício físico foi a intervenção com maior eficácia nos parâmetros da redução da dor, melhoria da saúde mental e na otimização da função física, comparativamente às abordagens que utilizaram os alongamentos, os exercícios McKenzie e as terapias manuais, sendo o grupo de controlo o menos eficaz. Relativamente às abordagens mais eficazes para cada parâmetro, para a redução da dor, a evidencia sugere que as “terapias ativas” como o pilates, treino de resistência, trabalho de estabilização/controlo motor e exercício aeróbico, onde o paciente é encorajado a exercitar-se, são as mais eficazes. Na saúde mental, (apesar do número reduzido de estudos) é sugerido o treino aeróbico e o treino de resistência. Na otimização da função física, o treino de resistência e de estabilização/controlo motor possuem maior probabilidade de eficácia.
Outra NMA[6], baseada em 118 estudos, comparou também a efetividade de diferentes modalidades de exercícios na redução da dor e incapacidade para a DLC.
Os resultados apurados foram de encontro aos da MNA anteriormente mencionada. Todos os tipos de exercícios foram eficazes para melhoria da dor e da incapacidade física, exceto os alongamentos e o treino Mckenzie. As modalidades de pilates, corpo e mente e o trabalho do core foram as que, com maior probabilidade, se destacaram para melhoria da dor e da incapacidade física.
Analisando as tabelas, o pilates foi o método com maior probabilidade de eficácia para ambos os parâmetros. Esta modalidade, além de possuir grande aceitação por parte dos pacientes, ajuda a promover estabilidade e controlo na região do tronco, alinhamento postural e consciência corporal com um padrão respiratório específico, e, concomitante uma abordagem biopsicossocial da lombalgia. Relativamente ao corpo e mente, este poderá melhorar o desempenho físico pela redução da cinesiofobia, bem como diminuir a dor crónica e a incapacidade física pela redução de fatores psicossociais como a depressão, ansiedade e stress mental no trabalho. Também foram relatados efeitos positivos com o fortalecimento do tronco na dor e incapacidade física em pacientes com DLC. O reforço dos músculos lombo pélvicos mantém a coluna estabilizada durante movimentos dos membros superiores e inferiores e melhora os padrões de recrutamento neuromuscular. Desta forma, trabalho de Core também é uma boa opção na DLC.
É referido nas duas NMA que, para uma prescrição do exercício segura e eficaz, dever-se-ão ter em conta as características individuais, objetivos e preferências de cada indivíduo, adaptando a prescrição à intensidade dos sintomas, de molde minimizar a sensibilização central.[1] [6]
Reflexão Critica
Podemos então considerar a relevância do exercício físico, fundamentada no treino de força muscular, como uma das soluções mais eficazes ao tratamento e prevenção da DLC, comparativamente aos tradicionais alongamentos e terapias manuais, que são defendidos, por muitos, com uma forma eficiente de melhorar as dores e a incapacidade. O pilates foi uma das modalidades que mais se destacou, tratando-se de uma metodologia assente no treino de força, com especial incidência na musculatura do tronco. É de grande relevância na prescrição do treino, conseguir-se especificar o exercício ao paciente, atendendo aos gostos, características individuais e sintomas. Julgo assim, que nos devemos despreocupar de procurar a melhor metodologia, mas, sim, focarmo-nos nos exercícios que irão permitir a cada indivíduo, manter uma rotina de treino adequada no maior tempo possível. Considerando que a evidência sugere a importância do fortalecimento da musculatura do tronco, que as metodologias aplicadas envolvem exercícios com grande integração articular e com um foco muscular disperso pelas diferentes regiões corporais, não seria pertinente estudar o efeito do treino isolado de coluna, explorando toda a amplitude articular disponível e os diferentes comprimentos contráteis?
Citando Karl Popper: “A ciência será sempre uma busca, jamais uma descoberta. É uma viagem, nunca uma chegada…”
Bibliografia:
- [1] P. J. Owen et al., “Which specific modes of exercise training are most effective for treating low back pain? Network meta-analysis,” British Journal of Sports Medicine, vol. 54, no. 21. BMJ Publishing Group, pp. 1279–1287, Nov. 01, 2020. doi: 10.1136/bjsports-2019-100886.
- [2] J. A. Hayden, J. Ellis, R. Ogilvie, A. Malmivaara, and M. W. van Tulder, “Exercise therapy for chronic low back pain,” Cochrane Database of Systematic Reviews, vol. 2021, no. 9. John Wiley and Sons Ltd, Sep. 28, 2021. doi: 10.1002/14651858.CD009790.pub2.
- [3] A. Searle, M. Spink, A. Ho, and V. Chuter, “Exercise interventions for the treatment of chronic low back pain: A systematic review and meta- analysis of randomised controlled trials,” Clinical Rehabilitation, vol. 29, no. 12. SAGE Publications Ltd, pp. 1155–1167, Dec. 01, 2015. doi: 10.1177/0269215515570379.
- [4] R. D. Meucci, A. G. Fassa, and N. M. Xavier Faria, “Prevalence of chronic low back pain: Systematic review,” Revista de Saude Publica, vol. 49. Universidade de Sao Paulo, 2015. doi: 10.1590/S0034- 8910.2015049005874.
- [5] C. Maher, M. Underwood, and R. Buchbinder, “Non-specific low back pain,” The Lancet, vol. 389, no. 10070. Lancet Publishing Group, pp. 736–747, Feb. 18, 2017. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30970-9.
- [6] R. Fernández-Rodríguez et al., “Best Exercise Options for Reducing Pain and Disability in Adults With Chronic Low Back Pain: Pilates, Strength, Core-Based, and Mind-Body. A Network Meta-analysis,” Journal of Orthopaedic and Sports Physical Therapy, vol. 52, no. 8. Movement Science Media, pp. 505–521, Aug. 01, 2022. doi: 10.2519/jospt.2022.10671.