O que lhe dá prazer? Considerações na prescrição de exercício e adesão continuada à prática

O que lhe dá prazer? Considerações na prescrição de exercício e adesão continuada à prática

A prescrição de exercício no Séc. XXI é atualmente (ou deveria ser) centrada num paradigma que visa a modificação sustentável do padrão de vida das pessoas, que se preocupa com as diferenças interindividuais dos praticantes e, que se baseia na mais atual evidência científica da área. Tudo isto para encontrar o “sweet spot” que permita manter esse comportamento a longo prazo, ou seja, um compromisso entre o possível e o desejável, que vise a promoção da saúde e elevação da qualidade da prática.
Várias tendências e recomendações têm emergido ao longo dos anos com o intuito de tentar atualizar e ajustar a prescrição de exercício a cada contexto e indivíduo. Durante muitos anos, um racional bidirecionado focou-se em duas componentes fulcrais na organização desta tarefa: i) produzir ganhos na aptidão física e saúde e ii) minimizar o risco na realização dessa prática.
Entre outros fatores, este racional levou a que se desse primazia à “dose” de exercício, onde emergiram várias recomendações, como por exemplo, sobre a frequência de treino, a duração da sessão, o volume global, a intensidade da prática, entre outros. Isto está patente em diversas entidades que emitem orientações para a nossa prática profissional (e.g., ACSM2), onde se apresentam recomendações para cada parâmetro de controlo de treino.
É inquestionável que estas orientações têm sido fulcrais na organização do trabalho dos profissionais da área, e que procuram apresentar uma flexibilidade considerável face à subjetividade de cada situação e indivíduo.
Nas últimas décadas, a evidência científica tem sugerido que a resposta afetiva pode ser uma variável de particular relevo na prescrição de exercício. Os dados de diversos estudos tendem a sugerir que o prazer/desprazer que os praticantes sentem ao longo do treino, parece condicionar o seu bem- estar durante e após a sessão3, estando positivamente associado à tão desejada adesão continuada à prática1.
Esta questão tem vindo a ganhar importância nos últimos anos.
O ACSM emitiu pela primeira vez em 2010 recomendações no sentido de que, para além da utilização de escalas de esforço e/ou frequência cardíaca no controlo do treino, houvesse uma preocupação com a valência afetiva (i.e., prazer/desprazer) ao longo da prática, atuando como coadjuvante dos restantes métodos, ou até como forma de auto-monotorização. Com essa recomendação, vários têm sido os investigadores a explorar a utilização de medidas desta natureza no controlo das sessões de treino, e a tentar compreender a sua relação com o bem-estar e adesão.
Orientações distintas têm sido emitidas para este efeito, sendo que escalas subjetivas de diversos tipos parecem ser úteis nesta função5,6. No entanto,
e procurando operacionalizar para o contexto de exercício físico, dois instrumentos parecem ser de fácil utilização e compreensão em contexto de treino: 1) O PRETIE-Q7 – Instrumento de avaliação do perfil de preferência e tolerância à intensidade do exercício; e 2) o modelo circumplexo de afetos8 (figura 1).

A determinação de um perfil de tolerância e preferência pela intensidade de exercício, de rápida e fácil aplicação, permite compreenderà partida de que forma o cliente se irá adaptar à intensidade prescrita (i.e., tolerância), que está diretamente ligada a fatores de natureza individual como a idade, experiência na atividade, aptidão física nesse momento temporal, entre outros. Por outro lado, cada pessoa terá a tendência para escolher atividades que apresentem dinâmicas com intensidades mais próximas dos seus gostos (i.e., preferência), o que naturalmente será um reflexo de uma escolha de natureza mais intrínseca e, consequentemente, facilitadora da promoção de prazer e divertimento.
A determinação deste perfil permitirá rapidamente compreender se um cliente com uma preferência por atividades de elevada intensidade, mas tolerância moderada, estará apto para esse tipo de atividade (e.g., treino HIIT). Num outro exemplo, um cliente com uma preferência e tolerância moderadas à intensidade, poderá ter uma resposta afetiva desajustada numa sessão de crosstraining de elevada densidade.
No que diz respeito ao modelo circumplexo de afetos, este compreende duas subescalas que permitem avaliar o nível de ativação e de prazer durante a sessão de exercício. No cruzamento destas informações, é possível posicionar os vários momentos da sessão de treino em um ou mais quadrantes que refletem a resposta afetiva à sessão (figura 1). Esta ferramenta parece assumir especial importância no trabalho individualizado, permitindo o controlo em tempo real de parâmetros complementares (e eventualmente em alternativa) aos habituais no controlo da intensidade do treino. Desejavelmente, e segundo as recomendações da literatura disponível a medição intra-sessão destes parâmetros deverá traçar um perfil que se posicione maioritariamente nos quadrantes 2
e 3, que refletem uma elevada ativação e prazer, e baixa ativação e prazer, respetivamente.
Quando confrontadas as prescrições da intensidade de exercício orientadas por referenciais dose-efeito vs. auto-seleção (enquadrada e supervisionada), duas linhas de conclusão tendem a emergir nesta última abordagem: i) a tendência para a escolha de valores próximos (mas ligeiramente inferiores) aos da relação dose-efeito, e ii) uma melhor relação prazer/desprazer durante e após a sessão. Considerando que em situações de treino com intensidades ligeiramente inferiores ao recomendado pelas principais entidades, é possível continuar a obter benefícios significativos na saúde e aptidão física, o que será mais interessante na luta para a promoção da prática sustentada de exercício físico? Uma prescrição de exercício segura e eficaz em papel, mas que não se traduz numa prática regular e a longo prazo, ou um compromisso nessa prescrição entre o fisiologicamente desejável e comportamentalmente viável, que permita o reforço da ação orientada para a saúde, e que apresente uma relação importante com a adesão continuada ao exercício?
A utilização do PRETIE-Q ou do modelo circumplexo, aplicados de forma individual ou articulada (quando possível e desejável), permitirá um refinamento da prescrição de exercício, visando a integração de parâmetros de natureza subjetiva, que ajudarão o profissional de exercício na promoção de sessões de treino mais ajustadas do ponto de vista do prazer/desprazer, e atuando como mais um fator de relevo na luta contra a desistência da prática de exercício físico.
Talvez desta forma, possamos um dia verdadeiramente constatar na prática da maioria dos nossos clientes a velha máxima popular: “Quem corre por gosto, não cansa”. Vamos com coragem prescrever prazer?

 

Referências:

1. Ladwig, M., Hartman, M., & Ekkekakis, P. (2017). Affect-Based Exercise Prescription. An Idea Whose Time Has Come? ACSM’s Health & Fitness Journal, 21(5), 10-15.
2. ACSM (2017). Guidelines for exercise testing and prescription (10th Edition). Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.
3. Decker, E., & Ekkekakis, P. (2017). More efficient, perhaps, but at what price? Pleasure and enjoyment responses to high-intensity interval exercise in low- active women with obesity. Psychology of Sport and Exercise, 28, 1-10.
4. Ekkekakis, P., Parfitt, G., Petruzzello, S. (2011). The Pleasure and Displeasure People Feel When they Exercise at Different Intensities. Decennial Update and Progress towards a Tripartite Rationale for Exercise Intensity Prescription. Sports Medicine, 41(8), 641-671.
5. Garber, C., Blissmer, B., Deschenes, M., Franklin, B., Lamonete, M., Lee, I., … Swain, D. (2011). Quantity and Quality of Exercise for Developing and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal,
and Neuromotor Fitness in Apparently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise. Medicine & Science in Sports & Exercise, 43(7), 1334-1359.
6. Teixeira, D. S., Gaspar, C., Marques, P. (2017). Manual do Técnico de Exercício Físico. Porto Salvo: Edições Manz.
7. Ekkekakis, P., Hall, E., & Petruzzello, S. (2005). Some Like It Vigorous: Measuring Individual Differences in the Preference for and Tolerance of Exercise Intensity. Journal of Sport & Exercise Psychology, 27, 350-374.
8. Ekkekakis, P., & Petruzzello, S. (2002). Analysis of the affect measurement conundrum in exercise psychology: IV. A conceptual case for the affect circumplex. Psychology of Sport and Exercise, 3, 35-63.
9. Cavarretta, D., Hall, E., & Bixby, W. (2018). The acute effects of resistance exercise on affect, anxiety, and mood
– practical implications for designing resistance training programs. International Review of Sport and Exercise Psychology, 12(1), 295-324.
10. Carraro, A., Paoli, A., & Gobbi,
E. (2018). Affective response to acute resistance exercise: a comparison
among machines and free weights. Sport Sciences for Health, 14(2), 283-288.
11. Rose, E., & Parfitt, G. (2010). Pleasant for some and unpleasant for others:
a protocol analysis of the cognitive factors that influence affective responses to exercise. International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, 7(15), 1-15.
12. Focht, B., Garver, M., Cotter, J., Devor, S., Lucas, A., & Fairman, C. (2015). Affective responses to acute resistance exercise performed at self-selected and imposed loads in trained women. Journal of Strength and Conditioning Research, 29(11), 3067-3074.

Professor Auxiliar na FEFD/ULHT Formador Convidado EXS - Exercise School