O que irá diferenciar um PT (Personal Trainer) do futuro da IA (Inteligência Artificial)?
Vivemos num mundo em constante mudança, fruto em parte, da evolução da ciência e da tecnologia. Através do avanço destas duas áreas, foi possível a Humanidade viver mais, inovar e ter acesso com facilidade a coisas que em tempos pensamos que eram inalcançáveis. No entanto, nem tudo é um “mar de rosas” no mundo atual… Se a tecnologia for utilizada descurando princípios éticos, por exemplo, poderá tornar-se um “perigo” para a espécie humana.
”Vivemos em uma sociedade extremamente dependente da ciência e tecnologia, na qual pouquíssimos sabem alguma coisa sobre ciência e tecnologia. Isto é uma clara prescrição para o desastre.” — Carl Sagan
Num mundo cada vez mais tecnológico, cabe a nós, como espécie, entender o que é “novo”, o que pode advir destas áreas, do “melhor ” ao “pior”, para beneficiar do que é possível e reduzir ao máximo os potenciais riscos e efeitos adversos. Adaptar à mudança é algo imprescindível nos dias de hoje.
Uma das grandes inovações é a Inteligência Artificial (IA), tendo evoluído significativamente nos últimos tempos e ganho cada vez mais destaque. Um tema que tem estado em voga é a influência que esta terá no mundo do trabalho e até que ponto, poderá assumir funções em determinadas profissões. De facto, terá impacto em inúmeras profissões, inclusive a nossa, a do exercício físico.
A IA pode ser definida como um avanço tecnológico que permite que sistemas simulem uma inteligência similar à humana — indo além da programação de ordens específicas para tomar decisões de forma autónoma, baseadas em padrões de enormes bancos de dados. Uma das tendências atuais é o Chat GPT, que é uma ferramenta de processamento de linguagem natural, desenvolvida pela OpenAI, baseado em uma rede neural treinada com milhões de textos da internet, permitindo que ele gere textos de forma autónoma.
O que o Futuro nos reserva? Não tenho uma resposta concreta, mas desafio o leitor a reflectir comigo, para que juntos estejamos mais perto de uma resposta. Além disso, contarei também com a “ajuda” do CHAT GPT.
Primeiro, há que ter em consideração que dentro da área do exercício físico, existe uma enorme diversidade em termos de funções: temos o professor de sala de exercício, o professor de aulas de grupo e o Personal Trainer… Um profissional de exercício físico poderá assumir todas estas funções, como excluir alguma, ou apenas assumir alguma e especializar-se. Nesta reflexão, limitarei a analisar o contexto do Personal Trainer e da sua área de atuação, o serviço de treino personalizado.
Notório referir que o processo de treino personalizado, que engloba a avaliação, a construção e monitorização do treino, tal como a comunicação e instrução, deve ser construído sempre com base no cliente, adaptando o exercício a este e não ao contrário. “Quem é o cliente?” É a questão cerne da tomada das decisões.
(Imagem retirada dos conteúdos formativos do EXS ENGAGE)
Os modelos de IA, através da informação de dados, poderão até construir um treino que seja perfeito, em teoria, para o cliente. No entanto, existem factores que acrescentam valor ao processo, no qual os humanos têm vantagem, pois efectivamente somos superiores em concretizá-los. Nesta reflexão, teremos que destacar dois:
Criar relação humana – somos seres sociais, necessitamos de conexão. A relação humana criada entre o profissional-cliente é um elemento de extrema relevância para a qualidade da experiência de treino. Um profissional com “soft skills” bem desenvolvidas, ou seja, um profissional que seja capaz de criar um elo de ligação de confiança e empatia com o cliente, que possui tanto a sensibilidade de entender o que ancora o cliente ao processo como a perspicácia em educar o cliente num caminho efectivo, ajustando a sua forma “de estar” ao mesmo, terá probabilidades muito mais elevadas de reter os seus clientes e alcançar o sucesso profissional que tantos procuram. E tudo isto, são características da nossa espécie, que não conseguem ser replicadas por um modelo tecnológico.
Contextualizar – Ao lidar com pessoas, teremos que ter em conta que existem características específicas, nomeadamente anatómicas e fisiológicas, que variam de indivíduo para indivíduo. Todos nós sabemos que “cada corpo é um corpo”, por isso é que não poderá haver exercícios obrigatórios, que todos devem fazer, tal como o inverso, exercícios proibidos, em que é mau para toda a gente. O mesmo ocorre com a execução do exercício… não existe uma execução técnica ideal e nem faz sentido instruirmos da mesma forma para todos. Um “simples” Agachamento não será executado de forma igual para todos. As proporções segmentares, por exemplo, irão fazer com que cada indivíduo possua a sua forma específica de executar essa tarefa.
(Imagem retirada numa das formações EXS Exercise School – Samuel Corredoura)
Qual será a melhor forma para aquele cliente executar o Agachamento? Como devo instruir? Com conhecimento técnico e observação conseguimos detectar estes detalhes e ajustá-los imediatamente, adaptando o exercício ao cliente, e não ao contrário como instrui-lo de forma a que se encaixe com a “execução ideal”. E isto, é transversal a todos exercícios.
Outro aspecto relevante a acrescentar é que a variabilidade existente neste processo não acontece apenas de indivíduo para indivíduo. Acontece no próprio indivíduo, de treino para treino, de exercício para exercício, de série para série, de repetição para repetição… Factores dinâmicos como o stress, sono, alimentação, dor, poderão ter influência directa na resposta fisiológica, nomeadamente, na mobilidade articular, força muscular e tolerância ao esforço. Com a fadiga que ocorre no treino, há também alterações na capacidade de resposta ao estimulo. Assim sendo, o ajuste constante e imediato perante a resposta momentânea do cliente ao contexto de estimulação é determinante na eficácia e segurança do treino, e isto só poderá ser feito, com a presença de um “profissional especializado em educação física” (como o Chat GPT designou).
O treino não é como uma “coreografia”, não deve ser algo padronizado, nem os exercícios devem ter regras, mas sim considerações. É através dessas considerações que estaremos mais próximos de algo “certo”, no qual com a observação e análise daquele contexto particular, ganhamos a consciência de que algo poderá não estar tão bem, que precisa de ser alterado, pois não se encaixa com a norma, e assim… ajustamos. Esta adaptabilidade ao contexto é algo no qual somos “melhores” comparativamente com os modelos tecnológicos.
A Inteligência Artificial consegue aceder a muito mais informação do que nós e de uma forma surpreendentemente rápida mas, citando Morin “ É necessário dizer que não é a quantidade de informações que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.”
Creio que os factores referidos anteriormente sejam determinantes ao nível da experiência de treino, pois não podemos desconsiderar que o serviço de treino personalizado não se trata apenas de construir o treino “mais ótimo” e personalizado possível ao cliente. No final, o mais importante será a adesão sustentada, isto é, a consistência, da prática, e a experiência que a pessoa receberá sistematicamente é um elemento fulcral para que esta seja cumprida. Assim, teremos que considerar que a qualidade e a diferenciação do serviço não está apenas “naquilo que fazes”, mas também no “como o fazes”. E tudo isto, deverá ser ditado pelo “a quem o fazes”.
“O que fazes” é fundamental, longe de mim menosprezá-lo, mas penso que no “como” poderá estar a diferenciação na experiência de treino e por consequente, na percepção de valor do cliente à mesma. Como entregas a experiência de treino ao cliente? Todos os detalhes contam, e a atenção prestada as estes, poderá influenciar o cenário futuro. Há que também ter a consciência que no Fitness, não raras as vezes, preocupamo-nos em demasiada em seguir as metodologias de treino inovadoras, os métodos mais “fun”, as principais tendências do Fitness, esquecendo do mais importante…. o que o cliente realmente precisa. Há que questionar… será isto ajustado ao meu cliente? Se os profissionais se limitarem a replicar exercícios porque todos fazem, a instruir regras de execução de forma aleatória, ou seja, uma atuação automatizada, creio que poderão ser substituídos pela inteligência artificial, pois esta é muito mais eficiente em cumprir procedimentos/protocolos e até mais barata.
Urge uma reforma de pensamento na área, precisamos, cada vez mais, que os profissionais sejam humildes intelectualmente, que sejam capazes de desprenderem-se de crenças metodológicas e que coloquem o cliente no centro do processo, que substituem um conhecimento de “regras e receitas ” para um conhecimento “pertinente”.
Que acima de tudo, actuemos sem egos e conscientes que o mais importante são as pessoas… aquelas que nós conseguimos efectivamente ajudar e causar um impacto positivo nas suas vidas. Acredito profundamente que isto é uma área de pessoas… e as pessoas não são algoritmos.
Em suma, a vantagem da nossa espécie perante essa tecnologia estará nas competências inerentemente humanas como a capacidade de criar conexão social e da aptidão de adaptar perante o contexto. São os factores que distinguem os profissionais de excelência dos demais, que elevam o serviço que entregam e a competência da comunidade profissional. Cabe a nós vermos o IA como uma ferramenta para potenciar o nosso trabalho, beneficiando as suas vantagens, e não como uma ameaça.
Por fim, terei que assumir de forma humilde que ao falar do futuro, estamos a falar em meras hipóteses, com base num conjunto de probabilidades e muita especulação à mistura….a nossa espécie nunca foi boa a prever o futuro. No entanto, o conhecimento e a experiência permite adquirir alguma capacidade de analisar cenários futuros e de sermos um pouco mais certeiros nas nossas previsões. E aquilo que poderemos prever é que uma comunidade profissional organizada, unida e alinhada no mesmo propósito, capaz de adaptar à mudança, disposta a aprender e reinventar-se constantemente, a enfrentar o desconhecido e a lidar com a incerteza, isto é, actuar com resiliência, flexibilidade mental e equilíbrio emocional… uma comunidade assim, trará um cenário mais otimista para a profissão.
“Não podemos ter a certeza quanto às especificidades do futuro, mas a mudança em si é a única certeza.” Yuval Harari