Mais além na reflexão sobre o treino para a saúde por Tiago Gago

Mais além na reflexão sobre o treino para a saúde por Tiago Gago

Cada vez mais se escreve, fala e pensa sobre o exercício físico e a sua relação com a nossa saúde, é um tema incontornável. O “treino de força” deixou de ser apenas de alguns ou pelo menos confundido como de alguns, subjacente aos que trabalham o culto do corpo, e passou a ser algo transversal a todos, dos “8 aos 80”, que encerra em si um grande valor, na promoção e manutenção da nossa saúde neuromuscular e articular. Contudo, para quem habita com frequência os ginásios ou de alguma forma já praticou ou pratica exercício físico, poderá aperceber-se que continuamos muito influenciados pelo culto do corpo. Não que isso tenha algo de errado ou que não possa ter o seu espaço, mas que nos impede de olhar para o mesmo como um sistema integrado.

A funcionalidade de cada complexo musculo-articular é importante e influi sobre todos os outros. Mantermos a funcionalidade do corpo, num todo, é crucial para estarmos alinhados com o tema supramencionado, exercício físico e saúde. Deste modo a nossa reflexão pretende ir nesse sentido e analisar que grande parte do que se faz nos ginásios visa quase sempre os grandes músculos, talvez porque a hipertrofia do mesmo será mais visível e esteticamente mais apelativa. Percebemos que as articulações envolvidas são normalmente sempre as mesmas, que numa forma de ritual assumem uma ordem de preponderância: coxofemoral; ombro; joelho; região lombar/torácica e cotovelo. Depois existe todo um grupo de articulações que são quase “os parentes pobres” do treino de força, nomeadamente as articulações do pé/tornozelo, punho/mão e região cervical.

Vamos lá perceber porque devemos daqui em diante prestar mais atenção ao treino destas estruturas. Comecemos pelo pé, este é a interface entre o nosso corpo e o chão. É uma estrutura bastante complexa que requer uma adaptação contante a todo o tipo de superfícies, ao mesmo tempo que tem de lidar com forças vindas superiormente do nosso corpo. Por isso é submetido a um grande stress físico e elevadas cargas durante a marcha/corrida, tornando-o num segmento onde muitos problemas/patologias podem surgir. Devido a este contexto requer uma grande dose de mobilidade (para concretizar uma das suas principais funções: absorção do impacto) e estabilidade, proporcionando uma base de suporte estável a um sem número de posições e posturas. Assim descurar esta realidade é comprometer toda a sua integridade articular e muscular. Similarmente ao pé/tornozelo também o punho/mão apresentam uma estrutura bastante complexa. Se dúvidas houvesse quanto à sua importância este complexo pode ser considerado como a principal ferramenta de expressão do ser humano.

Todo o braço e complexo do ombro são subservientes da nossa mão, qualquer perda de função a montante tem reflexo imediato a jusante. Percebemos que todo o sistema articular do braço, começando no ombro e terminando no punho, serve como meio de ampliar os graus de liberdade e posicionamento da mão, esta é símbolo de poder! Adicionalmente é preciso compreender que a estrutura e biomecânica do punho/mão varia consideravelmente de individuo para individuo e que estas diferenças podem influir como uma determinada função ocorre. Por fim, e não menos importante, temos a coluna cervical. Esta suporta o peso da nossa cabeça, todos os músculos e ligamentos desta zona terão de ser capazes de minimizar os efeitos da inércia sobre a cabeça. Um grande peso (cabeça) disposto sobre uma estrutura óssea desproporcional requer o máximo potencial do nosso sistema nervoso para proteger um grande número de estruturas vitais. Novamente a mobilidade é importante, mas a estabilidade é crucial…por isso arriscamo-nos a dizer que a primeira será sempre a sacrificada em detrimento da segunda.

Contudo a região cervical não pode ser dissociada da cintura escapular e de todos os músculos que unem esta à coluna torácica, isto porque este sistema de ancoragem é bastante importante e a funcionalidade de uns depende da estabilidade de outros. Com esta breve reflexão esperamos ter sido capazes de elucidar e sensibilizar cada um de vós para alargar o espectro de treino a todas estas partes. Um sistema integrado, como o nosso corpo, funciona assim mesmo, de forma integrada. Embora a parte estética seja uma preocupação de todos nós, a longevidade da nossa experiência com o treino reside na soma das partes, e obrigatoriamente a “equação” da saúde articular e muscular terá de incluir o treino destas mesmas estruturas.

 

Referências:
Levangie, P. K., & Norkin, C. C. (2005). Joint structure and function: A comprehensive analysis. Philadelphia, PA: F.A. Davis Co.
Schünke, M., Schulte, E., Schumacher, U., Voll, M., Wesker, K. (2006). Anatomia Geral e Aparelho Locomotor. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A.
Valmassy, R. L. (1996). Clinical biomechanics of the lower extremities. St. Louis: Mosby.
Kapandji, A. I. (2000). Fisiologia articular, volume 1: esquemas comentados de mecânica humana. São Paulo, Editorial Medica Panamericana.
Kapandji, A. I. (2000). Fisiologia articular, volume 2: esquemas comentados de mecânica humana. São Paulo, Editorial Medica Panamericana.
Kapandji, A. I. (2000). Fisiologia articular, volume 3: esquemas comentados de mecânica humana. São Paulo, Editorial Medica Panamericana.
Purvis. T. C. (2019). Resistance Training Specialist Program, Manual de Apoio ao Curso Mastery Level.
Roskopf, G. (2018). Muscle Activation Techniques, Manual de Apoio ao Curso Master Foot Function.

Sócio fundador e Personal Trainer em Personal Training Excellence (PTX); Mestrado em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário; Licenciatura em Educação Física e Desporto; Certificado MTF (Master em Treino de Força) – EXS™.