Alzheimer e Exercício Físico

Alzheimer e Exercício Físico

A Doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa. Entre os vários tipos de demência, este é o mais comum (60-80% dos casos confirmados de demência são Alzheimer) [1].
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 50 milhões de pessoas, mundialmente, foram diagnosticadas com demência. Estima-se que este número poderá aumentar para 82 milhões em 2030 e 152 milhões em 2050, triplicando o número atual.
A Doença de Alzheimer, faseadamente, provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas que têm como consequências alterações no comportamento, na personalidade e na capacidade funcional (física) da pessoa, dificultando a realização das suas tarefas da vida diária, acabando a pessoa por se tornar completamente dependente até ao fim da vida [1,2].
Um cérebro saudável contém biliões de neurónios – células nervosas especializadas na comunicação de informação, com diferentes características e capacidade de realizar convergências sináticas com vários pólos, de forma a dar resposta às várias demandas do corpo humano. O hipocampo, uma estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro, é considerada a principal sede da memória e um importante componente do sistema límbico. Usando uma analogia simplificada, o hipocampo é como o “hard drive” do cérebro humano e é associado à consolidação da memória (registo, armazenamento e recuperação de informações) e à tomada de decisões, sendo muito mais complexo em estrutura e função [8].
Aquando do desenvolvimento da doença, o cérebro vai diminuindo de tamanho e existe uma acumulação de placas da proteína beta-amilóide (amyloid-β (Aβ), placas senis) nos espaços entre as células nervosas, bem como formação de “tranças” neurofibrilares da proteína tau, que se acumulam dentro das células nervosas[1].

Tal provoca a danificação e morte destas células nervosas ou neurónios, criando disfunção e perda de sinapses e afetando de forma proeminente a transmissão excitatória no hipocampo e córtex cerebral.

Desta forma, a pessoa vai, faseadamente, perdendo a memória, sofrendo alterações comportamentais, vai ter cada vez mais dificuldades em realizar tarefas diárias, entre outros sintomas nos vários estágios da doença.
O principal fator de risco é a idade (>65 anos)[1, 5], no entanto, há outros fatores.
Fora do nosso controlo está o fator genético (riscos genéticos e riscos hereditários) e o sexo (o sexo feminino tem maior risco para a doença). Lesões traumáticas ou pancadas na cabeça também podem aumentar o risco de desenvolver a doença mais tarde [5].
Não obstante, existem outros fatores de risco em que podemos ter influência (comportamentos que poderão contribuir para o desenvolvimento desta doença). Exemplos destes passam por ter um estilo de vida saudável, já que sofrer de condições como diabetes, problemas cardiovasculares, AVC, hipertensão, colesterol e obesidade podem constituir fatores de risco (associado está consumo exacerbado de álcool, tabaco, dieta pobre e sedentarismo)[5]. Estudos também têm demonstrado que os distúrbios do sono poderão contribuir para o avançar do declínio cognitivo na Doença de Alzheimer, sendo que o sono pobre facilita a acumulação da proteína amilóide e influencia a consolidação da memória no hipocampo [4,6].

O diagnóstico da Doença de Alzheimer acontece tipicamente quando a pessoa começa a apresentar sintomas como a falta de memória ou desorientação [1].
No entanto, estudos recentes demonstram que já é possível diagnosticar a doença anos antes dos sintomas se pronunciarem, o que pode ser determinante para iniciar tratamentos e possíveis alterações do estilo de vida da pessoa, a fim de retardar os sintomas da mesma, o que, até aqui, só era possível numa fase já pronunciada da doença [3].
Os tratamentos mais convencionais são através de fármacos [2], podendo estes comportar efeitos secundários não desejados.
Hoje em dia sabemos que o exercício físico (treino controlado com resistências aliado ao treino aeróbio), ajustado às necessidades de cada indivíduo, é um poderoso coadjuvante no caminho para a saúde. Quando é aplicado corretamente, as melhorias no sistema cardiovascular, músculo-esquelético e a nível do Sistema Nervoso Central (neuroplasticidade e neurogénese) são inequívocas.
O presente artigo procura, assim, analisar e perceber se a prática de exercício físico (PA ou Physical Activity), poderá ter efeitos positivos em alguns dos sintomas da Doença de Alzheimer (especificamente nas componentes de função cognitiva e capacidade de realizar tarefas diárias) [7].
Para tal, teremos como base esta revisão sistemática e meta-análise de vários estudos controlados randomizados: “Physical Activity Improves Cognition and Activities of Daily Living in Adults with Alzheimer’s Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials”.
Esta revisão sistemática e meta-análise foi publicada na plataforma PubMed, da National Library of Medicine (NLM), a 22 de Janeiro de 2022 e teve como objetivo avaliar os efeitos do exercício físico na função cognitiva e atividades do dia-a-dia (ex: vestirem a roupa ou realização de tarefas domésticas) em adultos com Doença de Alzheimer. Os estudos contidos neste artigo foram, todos eles, publicados depois de 2010. Uma das suas particularidades, ao contrário de outros estudos que se mostraram inconclusivos, é a sua qualidade e exigência nos critérios: especificidade (só analisa pacientes com Alzheimer, não incluindo outros tipos de demência), conta com pouca heterogeneidade, tem um Intervalo de Confiança (IC) de 95% e análises sensitivas que conferem robustez ao artigo.
A idade dos participantes varia entre ou 70 até aos 88 anos, num total de 945 participantes, 34,6% do sexo masculino. Todos os participantes diagnosticados com a doença, em diferentes fases da mesma (leve, moderada e severa).
Para avaliar a função cognitiva usaram o instrumento MMSE (Mini Mental State Examination), exceto dois que usaram os instrumentos ADAS-Cog e ERFC; para avaliar as atividades do dia-a-dia usaram a escala ADCS-ADL (apenas um usou o Index Barthel).
Dos 16 estudos controlados randomizados, em 8 os participantes realizaram treino aeróbio (como caminhar e andar de bicicleta) e em 8 estudos realizaram uma mistura de treino aeróbio e treino com resistências. Estes foram realizados com intensidade moderada, apenas um deles foi realizado com intensidade moderada a elevada.
A duração dos estudos variou entre 3 e 6 meses, com sessões de 30 a 90 minutos, de duas a 7 vezes por semana.
Em relação aos resultados, 16 estudos contemplam a função cognitiva e 8 também a melhoria das atividades do dia-a-dia.
Nos grupos de controlo, 11 estudos tomaram a medicação (ex: donepezil), 5 estudos usaram atividade social, 2 usaram tratamento cognitivo e um usou também uma intervenção de educação para a saúde.
Em 18 estudos demonstrou-se uma melhoria significativa a favor do exercício físico na função cognitiva. Adicionalmente, conduziram análises em subgrupos para perceber as diferenças dependendo do tipo de sessão (aeróbio ou mistura de aeróbio e treino com resistências), tempo de sessão e fase da doença em termos de melhoria da função cognitiva. O treino aeróbio e as sessões mais curtas (entre 30 min a 45 min) tiveram melhores resultados. Os participantes em fases moderada a severa também demonstraram melhores resultados neste âmbito do que os participantes em fases leve a moderada.
Mais, de todos os preditores (duração da sessão de treino, duração ao longo das semanas, frequência semanal, tempo total de treino, etc), o tempo de sessão de treino gerou um efeito significativo na função cognitiva global.

9 estudos demonstraram que o exercício físico teve efeitos benéficos significativos nas atividades do dia-a-dia.

Esta revisão sistemática com meta-análises demonstra assim, com rigor e critérios de elevada qualidade, que o exercício físico (treino aeróbio e treino com resistências) melhoram a capacidade cognitiva global e a execução de tarefas do dia-a-dia.
Desta forma, deve ser considerado pelas entidades responsáveis a inclusão de programas de treino nos tratamentos dos sintomas da Doença de Alzheimer, visto que a previsão global é que o número de pessoas com esta doença aumente nos próximos anos.

Referências:

[1] Alzheimer’s Association

https://www.alz.org/alzheimers-dementia/what-is-alzheimers

[2] Associação portuguesa de familiares e amigos dos doentes de Alzheimer

A Doença de Alzheimer

[3] Alzheimer’s disease can be diagnosed before symptoms emerge

https://www.lunduniversity.lu.se/article/alzheimers-disease-can-be-diagnosed-symptoms-em erge

[4] Sleep in Alzheimer’s disease: a systematic review and meta-analysis of polysomnographic findings

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35365609/

[5] Alzheimers Society

https://www.alzheimers.org.uk/about-dementia/types-dementia/who-gets-alzheimers-disease

[6] Sleep: A Novel Mechanistic Pathway, Biomarker, and Treatment Target in the Pathology of Alzheimer’s Disease?

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27325209/

[7]Physical Activity Improves Cognition and Activities of Daily Living in Adults with Alzheimer’s Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8834999/#B1-ijerph-19-01216

[8] Neuroanatomy, Hippocampus https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482171/

Técnico de Exercício Físico; Treinadora no estúdio Inside Medical & Training Lab; Master em Treino de Força pela EXS Exercise School