A Sinfonia do Movimento por Pedro Vieira
“… neste cardápio abrangente de potencial conhecimento, (…), nem tudo deriva de fontes credíveis.”
Vivemos numa época em que é possível o acesso a uma infindável quantidade de informação, desde plataformas como a televisão, a rádio, as redes sociais, entre outras. Só no youtube, estima-se que a cada minuto são carregadas cerca de 400 horas de vídeo, o que corresponde a 576 000 horas por dia, o equivalente a aproximadamente 66 anos de conteúdo diário. Contudo, neste cardápio abrangente de potencial conhecimento, de acesso instantâneo e gratuito, nem tudo deriva de fontes credíveis. Existe uma necessidade cada vez maior de filtrar a informação que nos chega, para munirmos a nossa opinião de argumentos sustentados e que fundamentem uma tomada de decisão consciente e assertiva.
O Fitness não é exceção! Todos os dias somos bombardeados com programas de exercício e novos aparelhos de treino que prometem resultados milagrosos em períodos reduzidos de tempo. No entanto, como profissionais da área e agentes no processo de entrega do exercício físico, esta conjuntura origina uma oportunidade de excelência! Se nos unirmos como classe profissional, com o objetivo de desconstruir o conhecimento que chega ao consumidor e promover uma entrega mais consciente e suportada pela evidência, julgo que, não só vamos elevar o nível de competência e reconhecimento da nossa profissão, como aumentar o nível de exigência do consumidor, tornando-o menos permeável e mais crítico às tendências que surgem no mercado. Será a partir desta premissa que, tenciono explorar a forma como o neuromuscular processa e desenvolve o movimento, estabelecendo uma comparação com o desenvolvimento de uma melodia por parte de uma orquestra, ideia explorada por Tom Purvis (RTS©) e desta forma ajudar o leitor numa melhor compreensão deste processo.
“… podemos concluir que os nossos músculos são os operários de uma ideia de movimento construída pelo nosso cérebro e que cada movimento vai exigir uma orquestração distinta (skill diferente).”
Uma orquestra resume-se a um conjunto de instrumentos (músculos), que operam em sinergia uns com os outros, através da liderança de um maestro (Sistema Nervoso), com o objetivo de produzir música (movimento). Posto isto, podemos concluir que os nossos músculos são os operários de uma ideia de movimento construída pelo nosso cérebro e que cada movimento vai exigir uma orquestração distinta (skill diferente). O primeiro ponto que pretendo destacar é que em Portugal, existe pouca atenção às práticas físicas. O Barómetro do Fitness em Portugal do ano de 2018 refere um número de aproximadamente 590 mil praticantes de exercício associados a ginásios e outros espaços de treino. Tendo em conta que em Portugal somos sensivelmente 10 milhões de habitantes, este número corresponde a uma minoria de 6% da população. E porque é isto preocupante? Porque efetivamente, o exercício é uma das ferramentas mais importantes para mantermos e desenvolvermos bons indicadores de saúde. A título de exemplo, vamos falar sobre a coluna!
“… o treino de força, apresenta resultados significativos na melhoria dos sintomas e aumento dos níveis de força …”
A dor lombar já é identificada como um dos maiores problemas de saúde pública a nível mundial. Estima-se que a percentagem de adultos afetados por esta condição possa ascender a valores de 84%, com uma percentagem de 23% a reportar dor crónica lombar (1). O que nos diz a ciência é que não existem dados concretos que nos permitam afirmar inequivocamente a superioridade de uma metodologia de treino (2,3,4,5). No entanto, o exercício, nomeadamente o treino de força, apresenta resultados significativos na melhoria dos sintomas e aumento dos níveis de força, inclusive em sujeitos que apenas treinaram 1x de duas em duas semanas (6,7).
“… exercícios mais analíticos parecem ter um papel importante no processo de reabilitação e reforço da coluna.”
Voltando ao paralelismo musical, a evidência sugere que a nossa orquestra (sistema neuromuscular) pode beneficiar de diferentes melodias (movimentos/exercícios). Ou seja, se os ensaios forem realizados com rigor e segurança, os nossos instrumentos (músculos) podem melhorar na sua função e consequentemente alargar o reportório disponível por parte do nosso maestro (sistema nervoso), permitindo-lhe estar mais preparado para atuar em diferentes palcos. Contudo, exercícios mais analíticos parecem ter um papel importante no processo de reabilitação e reforço da coluna. Apesar de a dor lombar apresentar origem multifatorial, alguma evidência suporta a ideia de que a mesma pode estar associada a baixos níveis de força da musculatura responsável pela extensão da coluna (8,9). Estudos que recorreram ao uso de exercícios de extensão da coluna isolados, nomeadamente com recurso a estabilização pélvica, verificaram resultados significativos na melhoria dos índices de força e redução da dor lombar, inclusive em exercícios realizados em amplitudes de movimento parciais (10,11,12,13).
Em suma, o caminho para a resolução deste problema não tem uma solução óbvia. Segundo a evidência, o primeiro passo consiste em tornar a nossa população mais ativa. De seguida, como profissionais do exercício, cabe-nos delinear um plano que vá de encontro à individualidade biológica de cada um. É determinante desenvolver a sensibilidade de avaliar a “melodia” (motricidade) produzida pela “orquestra” (corpo) de cada cliente, procurar respostas em cada “ensaio” (tarefas) e definir estratégias, ora analíticas ora integradas, para “afinar” (melhorar a força e controlo) dos seus “instrumentos” (músculos) e dar capacidade e possibilidades ao seu “maestro” (Sistema Nervoso Central).
Referências Bibliográficas
1. Balagué F, Mannion AF, Pellisé F, Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet. 2012
2. Wewege MA, Booth J, Parmenter BJ. Aerobic vs. resistance exercise for chronic non-specific low back pain: A systematic review and meta-analysis. J Back Musculoskelet Rehabil. 2018
3. Smith BE, Littlewood C, May S. An update of stabilisation exercises for low back pain: a systematic review with meta-analysis. BMC Musculoskelet Disord. 2014
4. Paolucci T, Attanasi C, Cecchini W, Marazzi A, Capobianco SV, Santilli V. Chronic low back pain and postural rehabilitation exercise: a literature review. J Pain Res. 2018
5. Yamato TP, Maher CG, Saragiotto BT, et al. Pilates for low back pain. Cochrane Database Syst Rev. 2015
6. Carpenter DM, Graves JE, Pollock ML, et al. Effect of 12 and 20 weeks of resistance training on lumbar extension torque production. Phys Ther. 1991
7. Graves JE, Pollock ML, Foster D, et al. Effect of training frequency and specificity on isometric lumbar extension strength. Spine (Phila Pa 1976). 1990
8. Pollock ML, Leggett SH, Graves JE, Jones A, Fulton M, Cirulli J. Effect of resistance training on lumbar extension strength. Am J Sports Med. 1989
9. Steele J, Bruce-Low S, Smith D. A reappraisal of the deconditioning hypothesis in low back pain: review of evidence from a triumvirate of research methods on specific lumbar extensor deconditioning. Curr Med Res Opin. 2014
10. Steele J, Bruce-Low S, Smith D. A review of the specificity of exercises designed for conditioning the lumbar extensors. Br J Sports Med. 2015
11. Steele J, Bruce-Low S, Smith D. A review of the clinical value of isolated lumbar extension resistance training for chronic low back pain. PM R. 2015
12. Smith D, Bissell G, Bruce-Low S, Wakefield C. The effect of lumbar extension training with and without pelvic stabilization on lumbar strength and low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2011
13. Steele J, Bruce-Low S, Smith D, Jessop D, Osborne N. A randomized controlled trial of limited range of motion lumbar extension exercise in chronic low back pain. Spine (Phila Pa 1976). 2013