A Dose no Exercício Físico

A Dose no Exercício Físico

Frequentemente aplica-se o termo “dose”, quando se pretende definir a quantidade adequada a determinada necessidade. Em várias situações diárias da nossa vida, é fundamental estabelecer a dose adequada para que se obtenham de forma favorável os resultados pretendidos. Exemplificando, precisamos de determinada quantidade de água para sobreviver, sendo que demasiada quantidade de gordura no organismo provoca vários problemas de saúde, necessitando moderar a quantidade para que funcione adequadamente. Na utilização de medicação, a dose prescrita é crucial para o sucesso do tratamento. O exercício físico que contribui para o bem-estar e saúde, não é exceção!

Da mesma forma que a dose de um medicamento pode tratar ou provocar mais danos ao organismo, a dose de exercício físico aplicada ao organismo pode ser benéfica ou prejudicial… “A dose faz o veneno”.

Tal como o médico tem a responsabilidade de prescrever a dose da medicação para melhorar a situação clínica do doente, o treinador tem a responsabilidade de adequar e indicar a dose para o praticante de exercício físico obter benefícios. Importante referir que se considera pertinente aplicar uma dose suficientemente forte para promover adaptações positivas no organismo, mas não demasiado excessiva de modo a ir além da tolerância dos vários tecidos (muscular, tendinoso, etc) e provocar lesão.

O que é a dose na área do exercício físico?

A dose é um conjunto dos fatores: INTENSIDADE (quão forte é o estímulo), VOLUME (quantidade de estímulo), TEMPO (duração do estímulo) e FREQUÊNCIA (número de estímulos em determinado tempo, curto/médio/longo prazo). Esta dose vai promover uma determinada CARGA EXTERNA (trabalho realizado) que estará associada a uma determinada CARGA INTERNA (stress fisiológico). Por isso, a carga externa tem um efeito na carga interna (Gronwald, Törpel, Herold & Budde, 2020).

Tomando como exemplo: um agachamento de 40kg (carga externa) vai provocar forças de tensão nos músculos e articulações, aumentar a frequência cardíaca e libertar várias hormonas no organismo (carga Interna). Estes 40kg poderão ser facilmente toleráveis para praticantes de exercício físico, no entanto, para outros poderá superar a tolerância dos tecidos e provocar lesão.

Cabe ao treinador prescrever esta carga externa de modo a que haja um estímulo benéfico e não prejudicial para o praticante de exercício. Estratégias como diminuir peso da carga; alterar a resistência do exercício manipulando as variáveis da física; alterar o perfil de resistência do exercício; ponto de aplicação da carga; aumentar a cadência do exercício; modificar a intenção na produção de força, etc.

Qual será a dose ideal para cada praticante de exercício físico?

Acima de tudo temos de avaliar quer a disponibilidade articular disponível, quer a produção de força das várias estruturas do corpo. Ao recolher esta informação vai ajudar-nos a perceber até onde podemos ir, definindo limites e tomando decisões. Por exemplo, se o praticante de exercício físico demonstra fraqueza ou até mesmo dor numa abdução do ombro, fará sentido não realizar exercícios onde haja uma carga excessiva, próximo desse limite articular. Assim, preservamos a estrutura e conseguimos estimulá-la de forma segura, ou seja, adaptamos a dose de exercício para a estrutura anatómica daquele praticante.

Outra forma de estimular aquela zona mantendo a segurança será estimular outros músculos em volta da articulação que são importantes para a sua estabilização, como por exemplo, o bicípete e o tricípite. A dose poderá ser mais forte nestes músculos, mas tendo em conta o objetivo de estimular a articulação do ombro, essa dose será menor e mais tolerável.

Outra questão que se quer ver respondida por parte de muitos praticantes de exercício físico e treinadores é a dose ideal para provocar uma resposta hipertrófica o mais eficaz possível. Nos últimos tempos, a ciência tem tentado responder a esta questão demonstrando que apesar de o volume de treino ser um dos fatores essenciais para a hipertrofia, este poderá ter um efeito contrário caso seja em demasia (Heaselgrave, Blacker, Smeunix, McKendry & Breen, 2019).

Há uma parábola entre a relação entre volume e desenvolvimento muscular, isto é, até determinado ponto o volume é diretamente proporcional à hipertrofia, mas passado o “sweet spot”, há uma relação inversamente proporcional, podendo provocar o Overtraining, caso a recuperação desse estímulo não seja adequada. Mais uma vez a “a dose faz o veneno”.

Tal como foi referido anteriormente, a dose é composto por 4 fatores: INTENSIDADE, VOLUME, TEMPO e FREQUÊNCIA. Irei agora abordar o que diz a ciência sobre cada um deles.

Intensidade

Relativamente à intensidade, mínimo de dose para promover hipertrofia parece ser 30% de 1 Repetição Máxima (RM), (Schoenfeld et al., 2021).

Se com 30% de 1 RM já é possível criar uma resposta hipertrófica, qual será a dose de intensidade que poderá promover a melhor hipertrofia muscular?

Lasevicius et al. (2022), referem que treinar com cargas baixas mas com grande esforço (próximo da falha) parece ser mais importante do que o volume total do treino para o aumento de massa muscular. Contudo, Weakley et al. (2023), corroboram a teoria de que treinar com cargas baixas tem tanto ou mais efeito como treinar com cargas altas. Todavia, Refalo et al. (2023) sugerem que não há evidência a suportar que o treino realizado até à falha muscular momentânea seja superior ao treino realizado sem atingir a falha muscular para promover a hipertrofia muscular. A perda de velocidade na execução do exercício e teoricamente aproximar da falha nem sempre potencia a hipertrofia muscular. Como tal, esses resultados sugerem evidência de uma potencial não relação linear entre a proximidade da falha e a hipertrofia muscular.

Mas, recentemente surgiu um novo estudo pelo mesmo autor referindo que de facto a aproximação da falha muscular tem uma relação diferente entre a força e a hipertrofia, sendo que para ganhos de força não existe uma relação positiva, ao contrário da hipertrofia onde se refere uma relação positiva entre a proximidade com a falha.

Tempo

No que concerne ao tempo de descanso, Schoenfeld et al. (2015), propõem que os intervalos entre séries devem ser longos (mais do que 60 segundos), quando o objetivo for maximizar a hipertrofia, porque permite que o volume de treino seja maior. Se o descanso não for minimamente suficiente, atinge-se a falha mais cedo, gerando menor volume total de treino. No entanto, a abordagem deve ter em conta o nível de esforço e a seleção de exercícios, pois caso o esforço durante o exercício seja máximo ou próximo do máximo, será necessário um descanso mais longo para não comprometer a performance da série seguinte. Do mesmo modo, esforços menos intensos permitem com que o descanso entre série seja menor.

Em relação ao tempo de exercício, as repetições de cada exercício, o chamado “tempo sob tensão”, os resultados indicam que deve ter a duração de 0,5 até 8 segundos, para alcançar uma resposta hipertrófica (Schoenfeld et al., 2015).

Volume

Considerando o volume, esta variável tem um papel preponderante na dose no que toca à hipertrofia. Parece existir uma relação linear entre o volume e a hipertrofia. Segundo, Brigatto et al. (2019), referem que um volume semanal de 32 séries promoveu mais hipertrofia do que um volume de 16 sérias semanais.

Proventura, Krzsztofik et al. (2019), sugerem que para quem procura aumentar massa muscular, o treino de força deve consistir em múltiplas séries de exercícios, entre 3 a 6 séries combinado com repetições, entre 6 a 12, com intervalos de 60 segundos de descanso e uma intensidade moderada (60% a 80% 1 RM), com incrementos de volume semanal entre os 12 e 28 séries/músculo/semana.

Além disso, em praticantes de exercício físico treinados, poderá ser relevante utilizar técnicas avançadas (como por exemplo, drop sets e rest pause) para promover estímulos adicionais, quebrar o plateau, diminuir a monotonia e/ou diminuir tempo de treino da sessão sem comprometer o volume.

Existe também uma interessante revisão sistemática de Androulakis-Korakakis et al. (2019), que propõem que realizar apenas uma série de 6 a 12 repetições, com uma carga aproximadamente de 70%-85% 1 RM, 2-3 vezes por semana, com grande intensidade de esforço (alcançando a falha muscular) produz resultados subotimais. Mas mesmo assim, aumentos significativos de 1 RM nos exercícios de agachamento e supino plano, em praticantes de atividade física treinados do sexo masculino, sugerindo que em termos de força, não são necessários grandes volumes de treino.

Frequência

Em relação à frequência de treino, pode-se concluir que existe uma sólida evidência de que no treino de força a frequência não tem um impacto tão significativo como em outras variáveis anteriormente mencionadas, desde que o volume de treino esteja bem equacionado. Ou seja, mantendo um volume semanal de 12 a 28 séries, por grupo muscular, os praticantes de exercício físico, podem escolher a frequência dos treinos baseado nas suas preferências pessoais e tempo disponível (Schoenfeld et al., 2019).

É importante salientar que cada pessoa reage de forma diferente às diferentes intensidades de treino devido à sua morfologia muscular. Existe evidência de que há pessoas que com o mesmo protocolo de treino tiverem poucos ou nenhuns ganhos em hipertrofia em relação a outras que obtiveram resultados bastante significativos. Estas variações podem derivar da distribuição do tipo de fibra muscular.

Conclusão

Em suma, podemos concluir que apesar de utilizarmos as guidelines atuais e recomendadas para uma melhor resposta hipertrófica, a genética do praticante de exercício físico tem um papel crucial. Há praticantes de exercício físico mais reativos do que outros, em relação ao treino de força e hipertrofia.

Uma das variáveis mais importantes para a hipertrofia é o volume de treino semanal (12-28 séries/ músculo/ semana), parece ser a abordagem mais adequada. Apesar de ainda não haver total concordância na questão da aproximação à falha muscular para promover hipertrofia, esta parece ser a perspetiva mais correta a aplicar.

Recentemente Currier et al. (2023), publicaram uma revisão sistemática que salienta a promoção de hipertrofia, em que a melhor abordagem é a realização de várias séries (enfatizar volume de treino) com cargas elevadas.

Referências Bibliográficas

Androulakis-Korakakis, P., Fisher, J. P., & Steele, J. (2019). The Minimum Effective Training Dose Required to Increase 1RM Strength in Resistance-Trained Men: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine, 50(4), 751–765. https://doi.org/10.1007/s40279-019-01236-0

 

Brigatto, F. A., de Medeiros Lima, L. E., Germano, M. D., Aoki, M. S., Braz, T. V., & Lopes, C. R. (2022). High Resistance-Training Volume Enhances Muscle Thickness in Resistance-Trained Men. Journal of Strength and Conditioning Research, 36(1), 22–30. https://doi.org/10.1519/JSC.0000000000003413

Currier, B. S., McLeod, J. C., Banfield, L., Beyene, J., Welton, N. J., D’Souza, A. C., Keogh, J. A., Lin, L., Coletta, G., Yang, A., Colenso-Semple, L., Lau, K. J., Verboom, A., & Philips, S. M. (2023). Resistance Training Prescription for Muscle Strength, Hypertrophy and Physical Function in Healthy Adults: A Systematic Review and Bayesian Network Meta-Analysis. British Journal of Sports Medicine, in revision, 1–12. https://doi.org/10.1136/bjsports-2023-106807

Gronwald, T., Törpel, A., Herold, F., & Budde, H. (2020). Perspective of Dose and Response for Individualized Physical Exercise and Training Prescription. Journal of Functional Morphology and Kinesiology, 5(3). https://doi.org/10.3390/jfmk5030048

 

Heaselgrave, S. R., Blacker, J., Smeuninx, B., McKendry, J., & Breen, L. (2019). Dose-response relationship of weekly resistance-training volume and frequency on muscular adaptations in trained men. International Journal of Sports Physiology and Performance, 14(3), 360–368. https://doi.org/10.1123/ijspp.2018-0427

 

Krzysztofik, M., Wilk, M., Wojdała, G., & Gołaś, A. (2019). Maximizing muscle hypertrophy: A systematic review of advanced resistance training techniques and methods. International Journal of Environmental Research and Public Health, 16(24). https://doi.org/10.3390/ijerph16244897

 

Lasevicius, T., Schoenfeld, B. J., Silva-Batista, C., de Souza Barros, T., Aihara, A. Y., Brendon, H., Longo, A. R., Tricoli, V., de Almeida Peres, B., & Teixeira, E. L. (2022). Muscle Failure Promotes Greater Muscle Hypertrophy in Low-Load but Not in High-Load Resistance Training. Journal of Strength and Conditioning Research, 36(2), 346–351. https://doi.org/10.1519/JSC.0000000000003454

 

Refalo, M. C., Helms, E. R., Trexler, E. T., Hamilton, D. L., & Fyfe, J. J. (2023). Influence of Resistance Training Proximity-to-Failure on Skeletal Muscle Hypertrophy: A Systematic Review with Meta-analysis. Sports Medicine, 3(3):649-665. https://doi.org/10.1007/s40279-022-01784-y

 

Schoenfeld, B. J., Grgic, J., & Krieger, J. (2019). How many times per week should a muscle be trained to maximize muscle hypertrophy? A systematic review and meta-analysis of studies examining the effects of resistance training frequency. Journal of Sports Sciences, 37(11), 1286–1295. https://doi.org/10.1080/02640414.2018.1555906

 

Schoenfeld, B. J., Grgic, J., Van Every, D. W., & Plotkin, D. L. (2021). Loading Recommendations for Muscle Strength, Hypertrophy, and Local Endurance: A Re-Examination of the
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Schoenfeld, B. J., Ogborn, D. I., & Krieger, J. W. (2015). Effect of Repetition Duration During Resistance Training on Muscle Hypertrophy: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine, 45(4), 577–585. https://doi.org/10.1007/s40279-015-0304-0

 

Weakley, J., Schoenfeld, B. J., Ljungberg, J., Halson, S. L., & Phillips, S. M. (2023). Physiological Responses and Adaptations to Lower Load Resistance Training: Implications for Health and Performance. Sports Medicine – Open, 9(1), 28. https://doi.org/10.1186/s40798-023-00578-4