A Correlação Entre o Exercício Físico e os Níveis de Cortisol por Aléxis Santos

A Correlação Entre o Exercício Físico e os Níveis de Cortisol por Aléxis Santos

A conjuntura sanitária e económica que se faz sentir em todo o mundo constitui um quadro de condições adversas que servem para aumentar os níveis de stress em toda a população.

Existem três perspetivas do stress. A ambiental, a psicológica e a biológica (Soares & Alves, 2006). Interessa no contexto deste artigo avaliar sobretudo o stress físico, que remete para a ativação de sistemas fisiológicos específicos, modulado por condições físicas e psicológicas (Soares & Alves, 2006). Mas o que é o stress?

O stress é a resposta não específica que o nosso corpo tem para qualquer demanda imposta sobre o mesmo (Selye, 1975). O autor explica o stress como sendo a resposta fisiológica de reequilíbrio do organismo, quando o mesmo está submetido a fatores de desequilíbrio. Selye dá exemplos para explicar diversos tipos stressores:

  • Quando somos expostos ao frio trememos para produzir mais calor, dessa forma estimulando os vasos sanguíneos a contraírem para impedir a perda de calor pela superfície corporal;
  • Quando somos expostos ao calor, suamos porque a evaporação da perspiração que sai da nossa pele possui um efeito de arrefecimento;
  • Quando ingerimos muito açúcar e as concentrações do mesmo no sangue sobem acima do normal, o nosso corpo tende a consumir parte do mesmo para energia e excretar a outra parte, restituindo assim os níveis ao normal;
  • Um grande esforço muscular, como subir um enorme lance de escadas à velocidade máxima, incrementa a demanda do nosso sistema muscular e cardiovascular; os músculos necessitarão de energia suplementar para superar esta tarefa, pelo que o coração irá bater mais com mais intensidade e velocidade; os vasos sanguíneos irão dilatar para facilitar a circulação sanguínea (levando a um maior aporte de nutrientes e oxigénio).

Todas estas dinâmicas dos stressores é amplamente conhecida pelo público em geral, mas é necessário aprofundar a parte endócrina e fisiológica, de forma a compreender como podemos agir em conformidade às demandas que nos são impostas.

O cortisol é uma hormona glucocorticoide segregada pelo córtex adrenal, em resposta a agentes de stress psicológicos, fisiológicos e físicos (Hill, et al., 2008). Os glucocorticoides são hormonas segregadas pelas glândulas suprarrenais, responsáveis pela manutenção dos processos de metabolismo e efeitos anti-inflamatórios (Vale, et al., 2009).

A hormona cortisol representa 90% da atividade de todos os glucocorticoides e tem uma função catabólica no organismo (Vale, et al., 2009).

O cortisol em específico, possui os seguintes efeitos de acordo com Hill, et al. (2008):

  • Decomposição das proteínas localizadas nos músculos em aminoácidos;
  • Lipólise dos triglicéridos em ácidos gordos livres;
  • Promoção da gluconeogénese (produção de glucose através de precursores não-carboidratos/não-açúcares) e glicogenólise (degradação de glicogénio) no fígado.

Em doses normais, o cortisol constitui uma hormona importante na regulação das atividades fisiológicas do nosso corpo. Nas situações de stress onde o cortisol mantém-se nos níveis normais, o mesmo fornece uma quantidade adequada de glucose aso tecidos e músculos, mas em particular às células nervosas (Soares & Alves, 2006).

No entanto, altas concentrações de cortisol provocam efeitos de imunossupressão, através da interrupção da síntese proteica (incluindo a síntese de imunoglobulina). Tal inibição da produção destas proteínas, estende-se à alteração plasmática das concentrações de eosinófilos, linfócitos e macrófagos (Soares & Alves, 2006).

O efeito adaptativo ou destrutivo do cortisol está dependente da intensidade, tipo e duração do stressor, assim como a duração e concentração da exposição do cortisol às células-alvo (Soares & Alves, 2006).

Para além dos efeitos no sistema imunitário, denota-se uma relação de proporcionalidade inversa entre os níveis de cortisol e testosterona (um esteroide andrógeno-anabólico) (Vale, et al., 2009). A testosterona, produzida nas células Leydig que estão localizadas nos testículos, tende a ter por inibida a sua secreção quando as concentrações de cortisol aumentam, fruto de exercícios de endurance exaustivos (Daly, Seegers, Rubin, Dobridge, & Hackney, 2005). Desta forma percebemos como uma hormona catabólica como o cortisol (responsável pela decomposição de componentes mais complexas para gerar energia), inibe a atividade anabólica da testosterona (responsável pela estimulação da síntese proteica necessária à hipertrofia muscular). Um dos agentes de stress mais conhecidos, capaz de modular os níveis de cortisol em circulação no corpo humano, é o exercício físico (Hill, et al., 2008).

 

Todos estes aspetos científicos acerca da fisiologia do stress são importantes para adaptarmos o treino aos objetivos que são acordados com o cliente.

Correr uma hora na passadeira todos os dias, ou frequentar única e exclusivamente aulas de grupo com grande exigência cardiovascular, NÃO É A SOLUÇÃO.

O nosso organismo tem uma tendência para se manter em equilíbrio, pelo que o excesso destas atividades constitui um enorme stressor, físico e fisiológico.

No estudo de Vale, et al. (2009), o cortisol é classificado como uma hormona de stress que é segregada em qualquer episódio de exercício físico, independentemente da intensidade. Tendo já mencionado anteriormente, que o efeito adaptativo ou destrutivo do cortisol está assente no tipo, intensidade e duração da demanda que nos é colocada, será que uma atividade cardiovascular de alta intensidade conduzida todos os dias da semana poderá ser benéfica? Ou os altos níveis de atividade física poderão ser provocadores de maiores concentrações de cortisol no organismo, consequentemente aumentando o stress?

Os estudos e a bibliografia ainda são escassos e incompletos no que toca aos efeitos crónicos das concentrações de cortisol que advêm do exercício físico de alta intensidade e longa duração.

Mas e treino de força? Que influência poderá ele ter neste contexto?

30 minutos de treino de força bem realizado poderá já por si surtir efeitos muito interessantes no sistema imunitário, assim como estimular a síntese proteica necessária à hipertrofia muscular. De forma aguda, podemos aplicar uma deformação tecidular suficientemente alta para atingir as estruturas alvo, sem sobrecarregar o eixo Hipotalâmico-Pituitário-Adrenocortical (HPA).

Selye (1974) propôs uma teoria interessante acerca do sistema de ativação do eixo HPA, chamado de Genral Adaptation Syndrome (GAS). Este síndrome divide-se em 3 fases:

  1. Fase de Alarme
    1. A hipófise segrega adrenocorticotroina (ATCH), que por sua vez ativa o córtex adrenérgico, levando à produção de corticoesteróides (cortisol). Nesta fase de ativação fisiológica, fruto da demanda do stressor, o output hormonal é elevado;
  2. Fase de Resistência
    1. O corpo adapta-se ao stressor, pelo que os sintomas da sua ação melhoram ou desaparecem. No entanto, a resposta hormonal permacene elevada e estável;
  3. Fase de Exaustão
    1. Quando o stressor é suficientemente severo e prolongado, há uma depleção das defesas somáticas. Isto quer dizer que o eixo HPA desregula e perde a capacidade de segregar hormonas, sendo muito difícil manter a resposta adaptativa do corpo. Aqui há um risco maior de lesões e surgimento de doença, por reaparecimento de sintomas e até agravamento dos mesmos.

 

A explicação que Selye (1974) providencia sobre o sistema GAS, é suficientemente sólida para explicar que uma atividade física de alta intensidade e duração, repetida muito frequentemente, é um estímulo demasiado elevado para o eixo HPA. Com níveis de cortisol elevados, de forma contínua, o corpo encontra-se constantemente no estado de resistência ao stressor até esgotar completamente.

Aqui entra a importância fulcral de educar os nossos sócios. Explicar-lhes que mais não é necessariamente melhor. Podemos ter um indivíduo muito mais saudável e disponível ao treino, se lhe dermos tempo de recuperação entre sessões de treino, do que um que constantemente procura trabalhar acima do limite.

Ao exercer altas doses de exercício físico de alta intensidade, as mulheres poderão inclusive ter um risco acrescido de amenorreia, sendo uma patologia caraterizada pela ausência três ou mais ciclos menstruais consecutivos. Outra patologia é a oligomenorreia, que induz ciclos menstruais de 36 dias. Este tipo de doenças induzem uma disfunção hormonal enorme nas mulheres, tendo como consequências a redução da densidade mineral óssea e osteoporose prematura (Beals, Brey, & Gonyou, 1999).

O stress que provem da nossa vida profissional, marital e social, carece de um ajuste da intensidade e duração dos momentos de treino. O aluno que já chega esgotado e stressado de um dia de trabalho, não está capacitado para correr na passadeira 60 minutos a uma velocidade de 11Km/h. Mas poderá sem dúvida fazer uma sessão de treino de força de 45 minutos e extrair mais benefícios do que o treino de alta intensidade. Aspetos como o sono, nutrição e exercício físico funcionam em conjunto para manter um organismo estável e resiliente aos stressores do dia-a-dia.

O Personal Trainer deve conferir mais saúde ao utente, através da prática de exercício físico. Altos níveis de stress reduzem a resposta imunitária, as concentrações de testosterona (que nos permite adquirir mais massa muscular) e, aumenta as chances de lesão.

Prescrever treino de força que respeite a tolerância do indivíduo ao stress físico poderá ter efeitos muito mais benéficos do que treinos de alta intensidade, de forma prolongada e recorrente. Estaremos a respeitar a homesotase (equilíbrio interno) do aluno, fomentando uma pessoa menos stressada no dia-a-dia, aumentando também a sua resposta imunitária, diminuindo os incidentes de lesão e, potenciado a sua produção de massa muscular.

Já como se costuma dizer “less is best”.

Licenciatura em Educação Física e Desporto na Universidade da Madeira; Certificado MTF (Master em Treino de Força) – EXS; Barefoot Training Specialist Level 1 & 2 (EBFA); Experiência como Personal Trainer e Instrutor Fitness desde 2016.